segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Big Nelo - O Passado, O Presente e o Futuro do HipHop Angolano






Diz-se que no meio artístico o sucesso é éfemero. A ascensão para o topo é íngreme e difícil. Mas uma vez lá chegado a queda é abrupta. “Quanto mais alto se sobe, maior é a queda”, diz a sabedoria popular. O meio musical está repleto destes casos. Michael Jackson, Whitney Houston, recentemente Amy Winehouse. A maioria dos artistas dá-se mal com o sucesso. Envelhece mal. Quando obtém um êxito fulgurante jamais consegue voltar às luzes da ribalta

AS ORIGENS DO NOME

Não foi esse o caso de Emanuel de Carvalho, mais conhecido como Big Nelo. O nome artístico deve-se ao facto da família sempre o ter tratado pelo diminutivo “Nelo”. O “Big” provém da altura (tem um metro e noventa) mas, sobretudo, do grande sucesso alcançado como cantor. O nome é justificado. Podemos dizer, sem exagero, que Big Nelo revolucionou a música angolana, em 1992, com a criação dos SSP, o primeiro grupo de rap do país.

Hoje, 17 anos depois, Big Nelo continua mais popular do que nunca. O seu último álbum Karga foi lançado dia 31 de Maio. Mas ainda antes de estar à venda já era um sucesso anunciado. Tudo por causa da faixa “Karga”, apresentada em Julho de 2008, que funcionou como um “aperitivo” do álbum. A música rapidamente “circulou” de boca-em- -boca, tornando-se um “hino nacional”. Big conseguiu um grande feito: voltou ao topo. O próprio não esconde o orgulho. “Consegui ter um passado e um presente. Espero ainda ter um futuro”.

O PECADO NACIONAL

Confessa que o “efeito Karga” o surpreendeu. Até porque é uma música auto-biográfica. “Uma espécie de desabafo”, tal como define o autor. A música critica os pecados da inveja e do “mal-dizer”. “Na sociedade angolana ainda existe muita inveja. No mundo artístico isso ainda é pior. Muitos diziam que o Big Nelo acabou. Ninguém esperava que eu regressasse. No período em que estive fora dos palcos deixei de ser convidado para festas, percebi que tinha alguns falsos amigos. A inveja e a intriga ainda é muito forte no meio musical”, diz.

A música de Big Nelo foi uma espécie de grito de revolta. As pessoas compreenderam a mensagem. “Em regra sou eu que escrevo as letras. Creio que a música foi lançada no momento certo. As pessoas estão cansadas de guerras. O momento é de reconstrução, de mudança. Temos de acabar com o mau hábito de dizer mal dos outros. Ainda assim confesso que não esperava que se tornasse uma febre nacional. Houve um dia que um pai me ligou dizendo que o filho, com apenas dois anos, já dizia carga. Fiquei emocionado”, recorda.

UM BIG SUCESSO

A própria palavra “Karga” foi uma escolha feliz. “Comecei a actuar aos 16 anos. Vivi tudo muito rápido. Como líder dos SSP tinha muitas reponsabilidades. Afinal foi a primeira banda de rap angolano. Foi todo esse peso que me fez pensar na palavra “carga”. Face à sua popularidade decidi manter o título no álbum”, justifica.

O CD tem 14 faixas onde predominam os estilos r&b, rap e soul. Foi produzido na AQ Producões e Eventos e na Kriativa e foi masterizado na África do Sul. Tem uma tiragem de 15 mil cópias, o preço de mil kwanzas e conta com as participações de músicos como Jeff Brown, Totó e Os Vaga Bandas.

Questionado sobre os temas mais fortes Big Nelo seleccionou as músicas “Daniela, Amor da Minha Vida” — um tributo à sua filha — e “Tudo vai melhorar”. “Sou um vencedor. Gosto de transmitir uma atitude confiante, um sentimento positivo às pessoas. Como músico sinto essa responsabilidade”, diz.

KUDURISTA NELO

Umas das grandes surpresas do álbum é a estreia de Big Nelo no kuduro, com os Vaga Bandas. “Adoro o kuduro. Adaptei-me rapidamente a cantar e a dançar. É genuíno. Grupos como os Buraka Som Sistema estão a divulgá-lo em todo o mundo. Devemos ficar orgulhosos com isso. Muitos dizem que é uma música de ghetto. Também diziam o mesmo do rap quando nós começámos. O kuduro é nosso. Eu tenho um lado patriótico muito forte”, diz. Big Nelo fez questão, aliás, de gravar o videoclip no Rangel e adorou a experiência. “Fui muito bem recebido. Senti a minha popularidade. As pessoas são muito verdadeiras. Quando gostam de alguém, gostam a sério”.

EU SOU BERLINENSE

Apesar de se sentir bem nos bairros mais modestos de Luanda, Big Nelo nunca passou por dificuldades. Não significa, porém, que tenha tido uma infância fácil. O pai, originário do Cunene, faleceu quando tinha apenas 3 anos. Nessa altura já o jovem Emanuel tinha abandonado o Namibe, onde nasceu. Vivia só com a mãe em Luanda que trabalhava muito e, por isso decidiu, que Emanuel deveria ir viver com o avô — falecido há dois anos — no Lubango. “Guardo óptimas recordações desse período. Ainda tenho família no Lubango”, diz.

Em 1985, quando tinha dez anos, surgiu a grande mudança da sua vida. O seu avô foi colocado como Embaixador de Angola, em Berlim, no lado da antiga RDA – República Democrática Alemã. “Via o muro todos os dias. Mas eu podia atravessá--lo. Lembro-me que os meus amigos alemães pediam- - me uma Coca-Cola de lata sempre que eu ia ao outro lado”, recorda. O jovem assistiu ao vivo ao momento histórico da queda do mundo de Berlim. “Foi mágico. Ainda tenho uma pedra do muro”.

Uma das suas memórias mais positivas é o convívio com os que estavam na base americana da República Federal Alemã. “Foi lá que tomei contacto com o movimento rap e a música afro-americana — jazz, soul, funk e reggae — que me influenciou muito”. MC Hamer, Michel Jackson, Bobby Brown e Public Enemy eram algumas das referências. Do lado negativo recorda que “a questão racial ainda era muito forte”. Havia poucos estudantes angolanos na RDA. Predominavam os emigrantes nigerianos, ganenses e zairotas. Entre eles havia excelentes rappers e bailarinos. Foi com eles que Emanuel de Carvalho fundou os SSP (South Side Posse, literalmente “o bando do lado sul”), um grupo de música e de dança que fazia algumas actuações ao vivo.

A ASCENSÃO DOS SSP

Em 1991 Emanuel regressa a Angola. Perdeu um ano de estudos na transição devido a um problema de equivalências. Ainda assim acabou o ensino médio. O pior veio a seguir. “Havia uma enorme pressão da família para que continuasse a estudar. A minha mãe era juíza e achava que a música não era uma profissão. O rap era considerado uma coisa de marginais e drogados”, recorda. “Uma crítica injusta”, acrescenta. “A nossa mensagem era de paz. Estávamos em 1992, na altura das primeiras eleições”.

A sua persistência e determinação foi recompensada. Em 1996 a editora portuguesa Vidisco assina um contrato com os SSP, do qual nasce o primeiro álbum 99% de Amor. O rap de fusão, novo e original, conquistou o coração dos angolanos. O segundo álbum Odisseia surgiu em 1998. Foi o que mais vendeu. Nessa altura a banda já fazia digressões internacionais — África do Sul, Cabo Verde, Inglaterra, Portugal e Moçambique, país onde chegou a “disco de prata”.

GRUPO DE INTERVENÇÃO

Dois anos depois nasceu mais um álbum Alfa que contou com a participação de vários artistas como TC, Boss AC, Gutto e African Voices. O novo trabalho foi apresentado no Pavilhão da Cidadela, em Março de 2000, que esgotou por completo.

Desta vez, a digressão foi alargada ao Brasil e a Macau “um território que sempre exerceu um grande fascínio sobre mim”, confessa. O grupo estava em alta. Ganhou inúmeros prémios nacionais e internacionais. Era uma espécie de “porta- -estandarte” do país.

Os SSP distinguiram- -se também pela sua acção social. Apoiaram os projectos de prevenção contra a sida da APV - Acção Pela Vida, do preservativo Legal e do CD Life, com o grupo O2. Participaram em campanhas de generosidade contra os “meninos de rua”. E tentaram, quer nas suas músicas, quer na sua conduta pessoal, passar mensagens de combate ao álcool, às drogas e à prostituição.

O TRAUMA DA SEPARAÇÃO

Infelizmente, como tantas vezes acontece a quem sobe muito rápido, a banda acabou por ficar reduzida a dois elementos. “Tínhamos objectivos diferentes. Paul G e Kudy queriam ir para os Estados Unidos. Eu e o Jeff Brown — de quem sou amigo e padrinho de casamento — continuámos sozinhos. Continuar com apenas dois elementos foi um acto de coragem”, recorda.

A dupla lança, em 2003, o álbum Amor e Ódio com a participação, entre outros, do famoso cantor brasileiro Djavan. A crítica considerou-o um dos melhores álbuns do grupo. Mas a separação da banda prejudicou as vendas. Em 2006 foi lançado o disco duplo Momentos da Trajectória, o lado preto de Big Nelo e o branco de Jeff Brown. Foi o prenúncio da separação definitiva. A partir daí Big Nelo começa a carreira a solo. Recorde-se que, em Maio de 2008, foi lançado em um best-off dos SSP.

ATÉ ONDE QUER IR

Depois do sucesso de Karga, impõe-se a pergunta: “ e agora?”. Big Nelo jura que não sabe a resposta. “Ignoro se este álbum será, ou não, o último”, diz. O artista parece demasiado ocupado a saborear o sucesso. A agenda de espectáculos está repleta até ao fim do ano. “Estou a deixar as coisas acontecer. Raramente faço planos a longo prazo. As únicas coisas de que tenho a certeza e que tenciono lançar um DVD até ao fim do ano é que vou criar a marca de roupa B26 até Outubro”, justifica. E depois? “Mesmo que não volte a cantar continuarei sempre ligado à música, como agente e produtor”. Estes são os planos de um artista com um “big” carácter e atitude.

O ÁLBUM QUE MUDOU ANGOLA

Convidado a escolher qual o seu melhor álbum de sempre, Big Nelo opta por 99% de Amor. “Foi o primeiro disco de rap angolano. Mudou a trajectória da música moderna”. É caso para dizer: não há amor como o primeiro. No que diz respeito a espectáculos Big Nelo não esquece o seu primeiro em Benguela; os de Moçambique e Cabo Verde e a primeira vez que actuou em Macau. “Fiz mais de mil espectáculos nos últimos 16 anos. Nas províncias de Angola só não estive em Malangue, Moxico e Lunda Norte”, afirma.

Produtor de talentos

Durante a “travessia do deserto” Big Nelo criou a produtora B26 “uma forma de ajudar quem está em inicio de carreira e de passar os ensinamentos que recebi”. Big é responsável pelo despertar de talentos como Cage 1 (que já conhecia como bailarino), Leo Keny, JD e Pereira. Ele não se limita a produzir álbuns. Faz o agenciamento e insere os jovens músicos num mercado altamente competitivo. “Mesmo que um dia deixe de cantar, continuarei sempre ligado à produção e agenciamento de artistas”, garante.

Karga em trânsito

Big Nelo fez já tem o seu novo álbum Karga nas ruas. Um álbum onde mostra o porquê de ser considerado uma lenda viva do HipHop. E para além de promover o novo álbum, já tem outros projectos para realizar “Estou a deixar as coisas acontecer. Não faço planos. As únicas coisas de que tenho a certeza é que tenciono lançar um DVD até ao fim do ano vou criar a marca de roupa B26 até Outubro”, sublinha.


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