Ela nasceu na favela, perdeu os pais aos 14 anos, foi abusada e teve o marido assassinado. Separada de seu filho, foi parar na Febem por um crime que não cometeu. E foi na responsabilidade de ser mãe que Andrelina Amélia Ferreira - mais conhecida como Andréia - teve forças para mudar a sua vida e dar a ...
por Alexandre de Maio | fotos Rafael Cusato
Com os filhos, ela criou o grupo de rap Mãe & Filhos e desenvolve o projeto Anjos do Gueto, que atende, sem a ajuda do Estado, mais de 32 crianças e 43 famílias. Andréia, 38 anos, nasceu na periferia da zona sul de São Paulo e, como muitas adolescentes, foi criada sem a presença da mãe. "Eu não tenho muito que lembrar da minha mãe, a não ser que ela era uma mulher que saía de manhã e voltava à noite".
E essa lição do passado ela não repete. "O trabalho não é tudo, eu acho que a mãe deve dar uma atenção para os filhos, porque isso sim é investimento de verdade", diz. Andréia perdeu o pai aos 14 anos. A mãe, pouco tempo depois. "Depois disso o mundo caiu sobre a minha cabeça!", relembra. Mas o pesadelo estava apenas começando. No mesmo ano da morte dos pais e morando sozinha com o único irmão solteiro, Andréia foi abusada sexualmente por ele. Assustada, fugiu de casa. "A rua foi a minha segurança.
Dormi até em casa de cachorro e em cima lajes", conta. E quando ela pensava que tudo de ruim já tinha acontecido em pouquíssimo tempo, uma nova surpresa: a gravidez precoce. Sem saída, a então adolescente foi morar com o pai da criança e a sogra. Um mês depois, o "marido" foi assassinado, a sogra abandonou o barraco em que viviam e ela se viu grávida e outra vez na rua... Eis que surge um senhor que, comovido, lhe arranja um barraco.
"Parecia um banheiro, só cabiam a cama e um fogãozinho feito com lata de sardinha e uns preguinhos. E confesso que, quando dava vontade de comer uma coisa mais além, eu entrava no supermercado, pegava os pacotes de bolacha abertos e me escondia atrás da seção para comer", assume. Com o filho de apenas 1 mês nos braços, a vida pregou mais uma peça em Andréia. O mesmo senhor que havia lhe dado o barraco, deixou embaixo de sua cama uma sacola de feira. À noite, ela descobriu que ali havia cerca de 5 quilos de cocaína.
Não demorou a polícia invadir o barraco e levá-la para a Febem. "Desespero, revolta, era como se o mundo todo tivesse contra você. Eu queria saber por que me separaram do meu filho, porque o mundo era daquele jeito". Provada a sua inocência, Andréia ganhou a liberdade, mas não conseguiu recuperar a guarda de seu filho.
Mais do mesmo
Frequentando os bailes black da época ela conheceu o seu segundo marido, com quem ficou casada por nove anos e teve dois filhos, Leandro e Evandro. "Costumo dizer que o Leandro me ensinou a viver, a falar eu não quero a violência". Porém, depois de um ia de trabalho como faxineira, Andréia chegou em casa e se deparou com o limite de uma situação que já estava vivendo.
"Peguei meu marido usando drogas na cama e o meu filho com o rosto vermelho por ter apanhado. Foi quando eu disse: chegou a hora de guerrear!". Ela não pensou duas vezes e, novamente foi para a rua, fugiu com os dois filhos largando tudo pra trás. "Naquele momento os bens materiais não importavam. Minha riqueza era os meus filhos".
Grades mudanças
Novamente em situação de risco - mas agora ao lado dos filhos - ela encontrou forças para mudar. "O Leandro foi o homem da casa, com sete anos começou a olhar bicicleta no supermercado. Um dia ele sentou do meu lado e falou que queria ser promotor. Meu filho teve de tudo para ser um garoto perdido, sem alimento, sem condições, só tinha o amor.
O amor é a base disso tudo aqui", explica, referindo-se a sua casa, família e ao projeto que hoje desenvolve em sua comunidade tirando as crianças das ruas. É o lado bom depois de tanto sofrimento! Andréia é um exemplo, uma mulher que teve tão pouco e consegue ajudar as outras pessoas. "O Brasil é um país rico, onde as pessoas gastam muito dinheiro com viagens em Brasília e outras coisas, enquanto tem criança passando fome na favela. Eu acho uma glória uma pessoa montar oficinas de cultura e ensinar as crianças a pescarem!", comenta.
Com toda essa visão crítica e a vivência da rua, quando viu sua vida minimamente estruturada ela começou a ajudar grupos de rap e logo passou a escrever algumas letras. Subir ao palco foi um passo. Com o grupo Mente Feminina chegou a abrir shows e até ganhou um festival, mas a dificuldade fez que as componentes do grupo a abandonassem. Sem parceria, pensou que seu sonho na música tivesse acabado.
Foi quando em um show de rap seu filho pegou o microfone e deixou a plateia admirada com a sua voz. Novamente, a música ganhava força no caminho de Andréia. Até que o rapper Edi Rock, dos Racionais Mc's, disse: "Por que você não continua usando a sigla MF, mas agora como Mãe e Filhos?".
E assim o grupo nasceu e foram várias apresentações pela baixada santista, chegaram até a abrir o show dos Racionais, sempre com letras conscientes, mostrando que a relação entre mãe e filhos pode existir de várias formas. Num ensaio de um grupo de rap, por exemplo. Junto ao renascimento do grupo musical, surgiu também o Projeto Social Anjos do Gueto. Atualmente ela atende 32 crianças e doa cestas básicas para 42 famílias.
Além da ajuda material, Andréia transforma cada criança em um multiplicador, que acompanha outras crianças da comunidade e ajuda a resolver os problemas, além de alertar quando alguma não está frequentando a escola. Em relação à música, Andréia - que se diz fã de Elis Regina e ter uma grande identificação com a rapper carioca Gizza - ainda não conseguiu gravar, porém, o mais importante para ela já está se realizando: ajudar a comunidade! E só quem sofreu na pele pode se sensibilizar. "Denunciei um caso de pedofilia de novo aqui.
Criança é meu dever e eu sei o que é isso", afirma a guerreira. Uma família da baixada santista, mais precisamente do município de Praia Grande no bairro Marx Land, uma mãe e seu dois filhos, Evandro (15) e Leandro (19) fazem do rap mais que uma música, mais que um estilo de vida, fazem do Hip-Hop um exemplo de amor e resgate para a sociedade brasileira.
Sobre ela
"A Andréia representa o amor de mãe, a sinceridade, a amizade, e é isso o que falta no Brasil"
Bel, 42 anos, empresária que ajuda no projeto com transporte de pessoas e alimentos.
"Ela é uma pessoa maravilhosa, uma mãe para todas essas crianças. Você vê o amor que a Andréia passa para elas. Se tivessem mais pessoas com a qualidade dela, a gente resolveria uma boa parte dos problemas"
Meia, 35 anos, responsável pelas cestas básicas
"o vizinho não precisa vir aqui pedir, ela sabe a necessidade dele. as pessoas acreditam nela, porque mesmo não tendo, ela se preocupa e deixa de ter para dar aos outros. se o mundo fosse de Andréias seria bem diferente."
Elizabeth, 30 anos, participa no projeto como produtora
"Minha mãe é uma guerreira, ela tira as crianças da rua pra não se envolverem nessas coisas erradas. eu amo muito ela estou sempre do seu lado"
Leandro, 19 anos filho de Andréia
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