"Um MC que começou no underground e ganhou uma magnitude dentro da
comunidade Hip-Hop, atravês da sua mensagem. Está a preparar um dos
álbuns mais esperados de sempre ”Homo Libero”. Neste entrevista, falamos
sobre o novo álbum, os produtores, o estado do Hip-Hop Nacional, a
influencia da internet e muito mais."
1. Mano, comecemos pelo teu album. Sempre deixaste uma
informação aqui e ali sobre o Homo Libero, mas nao temos bem a noçao do
que se passa. Em que ponto está? Quais serao as grandes surpresas deste
album para uma espera tao longa?
Não há nenhuma grande surpresa. A cena é que eu até 2009 estive a
fazer um álbum chamado “360 Graus”, é um álbum duplo também. Esse iria
ser o meu 3º álbum. Era um álbum conceptual onde todas as músicas tinham
narrativas que acabavam no sítio onde começaram. Esse álbum está pronto
e nem sei o que vou fazer com ele, está na gaveta, porque depois
abracei essa filosofia do Homo Líbero e quis fazer um álbum ligado a
esse conceito do Homem Livre, da Liberdade e do meu conceito de Homem
Novo. O Homo Líbero comecei a fazê-lo em 2009. 2010 foi um ano terrível
para mim, porque estive quase sempre no Hospital, tenho uma má ligação
entre o sistema nervoso central e o coração, e essa merda estava a
despoletar todo o tipo de reacções violentas no meu corpo.
Em 2010 passei mais tempo em Hospitais que no estúdio, em 2011 estive
a dar concertos e estive no Projecto Diversidad, fizemos uma tourné
pela Europa quase toda e isso consumiu-me bué tempo. Só agora em 2012 é
que peguei no Homo Líbero a sério, por isso pode parecer que já estou a
fazer o álbum há muito tempo, mas o álbum tem de forma fluída pouco mais
de um ano de trabalho, e como é um álbum duplo é normal que demore. Mas
agora depois dos concertos que vamos ter no fim do ano, acredito que
não terei mais nada que me faça abrandar o ritmo e aí o será fácil e
rápido acabar o álbum.
2. Nave será o produtor de quase metade do album. Porquê Nave e nao Sam The Kid, que sempre te acompanhou desde o dia 1?
Em primeiro para perceberes a minha admiração por esses 2 produtores,
actualmente os meus 5 produtores favoritos no mundo são No ID, Just
Blaze, DJ Khalil, Nave e Sam The kid. O Nave e o Sam estão entre os meus
produtores favoritos de todo o mundo. O Nave vai produzir 70/80% do
álbum, isto porque eu sempre quis fazer álbuns todo ou quase todo
produzidos por uma só pessoa. O Nave tem um tipo de peso e de grave nos
beats e depois uma mix entre soul, funk e música brasileira que é
exactamente o tipo de sonoridade que eu quero para este álbum. Também
terei beats do Sam, mas para este álbum estou a ver algo mais dominado
pelo Nave.
Eu desde sempre quis ter esse conceito de 1 mc 1 produtor. O
“Educação Visual” era para ser todo produzido pelo Kilú. O mano pediu-me
para ficar com uma percentagem dos lucros do álbum que eu achei alta e
por isso não tivemos acordo. Mas hoje estou arrependido, adorava ter
feito aquele álbum todo com o Kilú e para a genialidade dele, a
percentagem que ele me pediu era mais do que justa. O “Serviço Público”
era para ser todo produzido pelo Sam The Kid, só que na mesma altura o
mano estava a fazer o “Praticamente” e não conseguia desdobrar-se a
fundo em 2 projectos. Sam é dos meus amigos mais antigos, estamos juntos
desde 97, é um irmão mesmo, é Canal 115 como o Bónus e o Adamastor, vai
ter sempre beats nos meus álbuns e de certeza que vamos concretizar
esse projecto com ele a produzir um álbum todo para mim. Acredito que
isso até vá acontecer muito em breve.
3. Alguns concertos estao a ser preparados, inicialmente um
seria no Coliseu, com preços elevados e houve algumas criticas quanto a
isso com alguns fãs a demonstrarem o seu desagrado por esta atitude.
Qual é a resposta a este tipo de critica?
O preço ficou mais baixo para este concerto de Novembro, porque o
Estado recuou na ideia de taxar bilhetes para eventos culturais com 23%
de IVA. O nosso preço sempre foi 15 euros. O resto é o valor do IVA que o
Estado obriga as pessoas a pagar e vai para o Estado. Graças a “Deus”
foi apenas uma minoria que achou o preço elevado na altura, porque quem
costuma ir a concertos no Coliseu ou no Campo Pequeno sabe que nunca vai
pagar 15 euros por um concerto. Nós temos o preço mais barato de sempre
para um concerto no Campo Pequeno. Manos que acharam isso apenas estão
habituados a ir a concertos de rap em salas pequenas, onde às vezes até
pagam 10 euros por um concerto. Um gajo que vai a concertos de Rock,
Soul, Música Ligeira, Jazz etc, nunca te vai dizer isso. Agora vão ter
concertos de Valete, Regula, Xeg e DJ Ride com Stereossauro e mais uma
oferta de uma mix tape com 18 musicas só de grandes mc’s por 18 euros
numa das maiores salas do país. Impossível conseguires mais barato que
isto. Impossível.
Alugar o Music Box custa-te 500 euros ou pouco mais, alugar o Campo
Pequeno custa-te 10 000 ou 15 000 euros. Depois tens que pagar PA,
Seguros, Cachets dos artistas, SPA, Produção, Promoção. Ou seja tu nunca
vais conseguir fazer um concerto no Campo Pequeno por menos de 30 000
euros. É ridículo querer comparar um concerto numa sala dessas com um
concerto no Music Box.
Há pouco tempo manos da Vicious Events organizaram um concerto no
Coliseu do Porto com alguns dos maiores nomes de HipHop Tuga, o preço
era 20 euros e havia manos a dizer que era caro. Aquele preço era
baratíssimo, só para o HipHop é que consegues ter um preço daqueles. Tu
nunca ias conseguir juntar grandes bandas de Rock, Fado, Música Ligeira
ou Música Pimba e ter aquele preço no Coliseu.
4. Como se mantem uma atitude underground, quando o album
Homo Libero vai ser lançado por 4 grandes editoras, em paises diferentes
(brasil, angola, tuga e moçambique)? Nao existiram quaisquer exigencias
por parte destas editoras? as condiçoes que te ofereceram sao justas
para um artista que antes era independente?
Só haverá uma editora grande e será em Portugal. Nos outros países
serão editoras independentes. E a editora em Portugal será a Valentim de
Carvalho que fez uma parceria com a Horizontal. Eles nem sequer ouvem o
álbum até estar pronto e depois de pronto nem opinam. A Parte deles é
editar e distribuir o disco.
Hoje em dia em Portugal, as editoras precisam muito mais dos artistas
do que vice-versa. Eu só fiz este acordo porque quero só me concentrar
na música e não me quero desgastar com toda a outra parte de edição,
promoção e distribuição . E tive a sorte de arranjar a melhor editora em
Portugal para fazer esse trabalho. È a editora mais antiga no país,
editou a maioria dos melhores discos da história da música Portuguesa,
tem uma estrutura ultra-profissional e estão preocupados em associar-se a
artistas genuínos. Dificilmente verás a Valentim de Carvalho a
trabalhar com Boys Bands ou Música Pimba. Só para veres eles têm Orelha
Negra na editora.
5. Quais sao as tuas preocupaçoes com o numero de vendas? Se
as metas estipuladas nao se cumprirem, como sera a tua reaçao e como
reagirão essas mesmas editoras em quem estas a apostar?
Sinceramente só gostava que o álbum pudesse estar no Top Nacional de
vendas pelo menos durante a primeira semana. Isto porque em toda a
História do HipHop acho que nem tivemos 5 álbuns que conseguiram esse
objectivo. E hoje o HipHop é dos movimentos culturais e musicais mais
fortes, então essa entrada do Homo líbero para o Top Nacional seria
muito simbólica. Quanto ao resto estou-me a cagar.
6. Com uma carreira com mais de 10 anos e 2 albuns que sao
duas grandes referencias, que tipo de coisas se aprende para nao cometer
erros num terceiro album que todos esperam ser um classico? Como reages
ao peso da palavra ”classico”?
O problema que eu tinha até há pouco tempo era a obsessão de querer
fazer um álbum que superasse o anterior. Hoje consegui livrar-me disso,
só tenho que fazer música que eu goste e mais nada. O álbum chama-se
Homem Livre e tem muito a ver com essa filosofia de seguires só o teu
instinto. Faz o que te apetece fazer, só existe o presente. Estou a
conseguir criar sem pensar no passado nem no futuro. Acredito que assim
tudo sairá mais espontâneo. Que se foda se é clássico ou não, o
importante é que tu sintas os sons.
7. Passo agora à nova escola. Tivemos uma epoca de ”ouro”
entre os anos 1999 e 2005, mais ou menos. Eu pessoalmente nunca senti de
volta essa sensaçao que o rap tinha nessa altura. Que rappers
actualmente tu destacarias que tenham a capacidade de nos oferecer esta
nosltalgia de novo?
As pessoas às vezes esquecem-se que alguns dos rappers que elas mais
gostam já rimam há 10, 15 anos. Ao contrário de muito gente eu acho que a
nova escola é muito boa. E alguns rappers da nova escola vão conseguir
fazer coisas muito importantes no rap tuga. A tendência é irem ficando
cada vez melhores. Rappers que já têm algum destaque hoje, daqui a 2, 3
anos estarão mais fortes ainda. O Futuro do rap tuga está garantido. Nem
vou destacar nomes porque são muitos.
Mas agora está a acontecer uma
cena espetacular. Tens um rapper como o Jimmy P que não tem álbum e que
já consegue estar em festivais muito importantes, tens um gajo como o
Halloween que nunca toca na rádio nem passa na TV e já faz concertos de
norte a sul do país, o Deau antes de ter álbum já era uma super-estrela
no norte. Isto é fantástico, agora tens manos a conseguir chegar a muita
gente sem suporte nenhum da comunicação social. Só com internet, buzz.
Por isso estão reunidas todas as condições para os rappers que se
destacarem mais da nova escola brilharem e viverem da música, até sem
álbuns, sem editoras e sem apoio dos media. Esta Era da internet permite
isso.
8. Estamos numa era em que a internet permite o lançamento de
trabalhos online, nem todos com boa qualidade; os downloads, os
comentadores anonimos tantas vezes chamados de haters. Veio ajudar ou
prejudicar? Qual a tua posiçao em relaçao a isso?
A única cena fodida nisso tudo são os comentadores anónimos. Para um
miúdo que está a começar, receber uma dose de críticas destrutivas pode
ser fatal. Conheço muitos manos que desistiram de fazer rap quando
puseram as primeiras músicas na net. Se tu não tiveres pessoal para te
dar auto-estima e apoio psicológico tens que ser mesmo muito forte para
aguentar essas primeiras críticas. É como pores um miúdo de 17, 18 anos a
jogar na equipa principal do Benfica e que nos primeiros jogos é
assobiado. No jogo seguinte ele até pede ao treinador para não jogar.
9. Apesar de o rap tuga parecer estar estar em ”grande”, com
varios lançamentos, sempre sangue novo a surgir, temos uma lacuna
gigante na nossa cultura, que é a falta de radios (existem poucas), e
revistas. Sobram os sites, que tem projectado ainda mais o nosso rap. És
um leitor assiduo de sites? Quais seriam os sites, na tua opiniao que
merecem destaque como meios indispensaveis de informaçao? (sites de
lingua portuguesa)
Hoje a internet é tudo mano, quase não precisas de
rádios , nem revistas. Vejo HipHopSouEu claro, HipHopulsação, Primouz,
Blog da Nicolau, CenasqueCurto, LusoHipHop, TrackCheio… acho que esses
são os que visito mais.
10. Deixo aqui como ultima pergunta, que mensagem gostarias
de deixar aos novos ouvintes de rap e aos novos mcs da nova escola, para
mantermos o hiphop puro e sem opressoes de grandes editoras e radios
generalistas? Qual é o teu conselho?
Estamos noutro tempo, a influência da rádio e das editoras é cada vez
mais reduzida em Portugal. Se a tua música for boa ela espalha na
internet. Para os ouvintes queria dizer que eles podem não ter noção,
porque alguns são muito novos, mas nós estamos a criar um movimento
gigantesco em Portugal. Hoje ouve-se rap em toda a parte. Ainda temos
coisas para conquistar, mas vamos lá chegar. É importante que eles sejam
militantes.
Não basta ouvires os álbuns dos teus mc’s favoritos, tens
que comprá-los, tens que ir a concertos. És HipHop quando contribuis ou
participas no movimento. Se toda a gente for mais militante não há mesmo
hipótese de se parar o HipHop em Portugal. Hoje tens manos que dizem
que são fãs do Regula, mas não têm nenhum álbum nem nenhuma mix-tape
dele, nunca viram o Regula ao vivo. Isso não faz sentido nenhum. Os
nossos artistas favoritos terão carreiras mais longas, lançarão mais
projectos quanto mais apoiarmos as obras e movimentações deles. Isso é
crucial.