Gabriel O Pensador está de volta. Sete anos após ''Cavaleiro Andante'', o sexto álbum do rapper, Gabriel acaba de lançar ''Sem Crise'',
um álbum musicalmente pop como os anteriores, mas com letras mais
reflexivas; em vez de apontar o dedo para os outros, Gabriel canta muito
mais sobre ele mesmo e a visão que o letrista carioca tem sobre temas
diversos.
Durante o hiato entre os dois discos, Gabriel investiu em outras
frentes: escreveu livros, coordenou ONGs, curtiu a família e repensou
seu momento de vida, mais maduro, centrado e tranquilo.
Exemplo disso é Surfista Solitário, o single mais recente do disco. A faixa foi inspirada pelo desejo que Gabriel tinha de voltar a surfar, e se baseia em Solitário Surfista, de Jorge Ben Jor,
lançada em 1980. No lugar do sample, a opção mais prática e tradicional
se tratando de rap ou hip-hop, Gabriel convidou Ben Jor para regravar
sua participação na música, certamente a de maior apelo pop no álbum.
As participações são outra marca registrada de Sem Crise. Além de Jorge Ben Jor, nomes como Carlinhos Brown, Rogério Flausino (Jota Quest), Nando Reis e ConeCrew Diretoria participam do disco, e ajudam a compôr o retrato contemporâneo de um dos nomes mais conhecidos do rap nacional.
Mas nascido em meio à maior explosão do rap nacional em todos os tempos, com a ascensão de Criolo, Emicida, Projota e - por que não? - ConeCrew Diretoria, onde será que se encaixa o rap de linguagem simples e assumidamente pop de Gabriel? O Virgula Música conversou com o rapper sobre esse assunto, e todos os detalhes de Sem Crise. Confira:
Virgula Música - Foram sete anos desde Cavaleiro Andante, seu álbum anterior. Por que tanto tempo sem gravar?
Gabriel O Pensador - Vários motivos. Mas o principal foi a falta de um prazo, de uma gravadora cobrando. Eu curti a turnê de Cavaleiro Andante
por um bom tempo, antes de pensar em compôr coisas novas. Depois
comecei a fazer uns projetos paralelos, e muitas palestras com os meus
livros. Eu ganhei um [prêmio] Jabuti em 2006, e a partir desse período
comecei a ser chamado para mais eventos literários. E o futebol também.
Foi uma coisa que começou por acaso, para ajudar uns garotos que queriam
jogar bola, e foi ficando cada vez mais sério. E no meio disso tudo
comecei a compôr. Parte das músicas já estavam prontas há um tempo, mas
sem prazo entra o perfeccionismo do produtor, meu também, e aí o
processo foi ficando mais longo.
Virgula Música - Você
citou seus livros, seu ofício como escritor. Escrever versos para poemas
é muito diferente de criar versos para raps e rimas, na sua opinião?
Gabriel O Pensador -
O contato com o público é muito parecido, por causa do tipo de
linguagem que uso nos livros, uma coisa mais simples. Eu tento conversar
com o jovem, com o adulto e com as crianças, também. Tem muitas
semelhanças com o que eu faço na música, porque eu tô ali, levo os meus
poemas pra declamar, mas por outro lado, apesar de ser rapper, eu
aprendi a prestar mais atenção às melodias, às pausas, à respiração, e
isso não tem no livro. Mas em relação às letras, é bem parecido mesmo.
Virgula Música - A sua carreira como escritor é abordada na letra de Linhas Tortas,
uma das faixas mais polêmicas do álbum, em que você relembra a sua
trajetória profissional e pessoal inspirado pelo episódio polêmico na
Feira do Livro de Bento Gonçalves, no ano passado. Por que você quis
contar essa história?
Gabriel O Pensador - Essa música nasceu a partir de uma polêmica na Feira do Livro de Bento Gonçalves,
no Rio Grande do Sul [em abril deste ano]. O prefeito queria me
contratar por R$ 110 mil para fazer shows, ser o patrono da feira, fazer
uma série de palestras durante o ano, e também um pacote de compra de
livros. Mas era época pré-eleitoral, e muita gente começou a reclamar -
inclusive outros autores da feira, que iam receber um cachê simbólico, e
isso gerou um mal-estar com todo mundo, e eu preferi cancelar toda a
parte que envolvia a grana e fiz só a palestra, sem cobrar. Mas eu quis
dar uma resposta para isso, que foi essa letra. Aí acabou ultrapassando
esse assunto, comecei a falar do amor que eu sinto por isso, pelos
livros, pela música, falo da minha vida pessoal, da saudade dos filhos.
Foi muito bom fazer essa música. As poucas vezes que eu cantei essa
música fiquei arrepiado, e ela me deu um gás pra terminar o disco e pra
fazer turnê. A recepção tem sido muito boa.
Virgula Música - Sem Crise tem
muitas participações especiais. Você selecionou os convidados
previamente, ou as ideias surgiram à medida que o álbum foi sendo
produzido?
Gabriel O Pensador - Cada
uma teve uma história. Algumas já estavam planejadas, outras foram
rolando. Foi bom ter essa liberdade, neste disco, de gravar com os
amigos, misturar um produtor daqui com outro dali - e essa coisa de hoje
em dia, de levar um HD e poder gravar na estrada. Com o Rogério Flausino, por exemplo, eu queria fazer uma referência à musica mineira, e gravamos no estúdio [do Jota Quest] com ele e com o Marcelinho da Lua, foi muito bom. Aí gravei na Paraíba, em Campina Grande, com o [sanfoneiro] Marquinhos Farias,
que me recebeu muito bem. O Jorge Ben eu preferi regravar a música com
ele do que samplear, essa música que mostra uma faceta minha que eu
sinto falta [do surf], e o Carlinhos Brown rolou por um amigo em comum que eu tenho com ele. O Nando Reis eu queria ter em alguma música há um tempo, e ele resolveu o refrão de uma música [Boca a Boca]
em que eu queria um lance mais melódico, e o ConeCrew rolou de última
hora, o disco já estava sendo masterizado e veio a ideia.
Virgula
Música - Nos anos em que você ficou sem lançar discos, muitos artistas
de rap e hip-hop ganharam destaque no país, saindo do underground para
se apresentarem ao grande público em festivais, aparições na grande
mídia, etc. Você se vê inserido nessa nova cena do hip-hop nacional ou
acha que faz parte de outra geração do rap?
Gabriel O Pensador -
Eu me vejo circulando bem com todas as gerações. Tenho tido uma
resposta quando eu encontro a galera nova do rap que me dá orgulho - sem
marra, sem prepotência, mesmo. Tem uma galera que diz que começou a
fazer rap por minha causa, que fala que o meu disco foi o primeiro que
eles compraram, e são uns caras bons, até em Angola, Portugal, e isso me
dá uma sensação boa por ter ajudado a divulgar o rap nos países de
língua portuguesa. E por outro lado eu me inspiro, me enriqueço ao ouvir
o que os caras novos tão fazendo, em todos os sentidos. Um leva pro
outro, independentemente do estilo. Eu sempre tentei fazer isso
acontecer, mostrar que não era só eu, então eu vejo isso como a
realização de um desejo antigo.