Quem é o Samurai?
Samurai é apenas um eterno amante da cultura Hip Hop. Paixão esta que se reflete através da minha criatividade no design, na fotografia, nos vídeos que realizo, nas mixtapes, nos pratos, nos beats, no blog, na editora Mad Tapes etc.
Como é que foi a tua inserção no Hip Hop?
Era ainda puto quando por volta de 1985 surgiu cá nos cinemas o filme “Breakdance” com o Turbo e Ozone. Nesta mesma altura manos como Paulo Kumba e outros já apareciam também na TPA a breakar. Adorei a cena, mas ainda não sabia que fazia parte da cultura Hip Hop. Em 86 fui viver para Portugal e foi por volta de 1990 que comecei a inteirar-me mais sobre a cultura. Devia ter uns 13 anos quando um colega da escola falou-me do programa “Yo! MTV Raps” com o Ed Lover, Dr Dre e Fab Five Freddy. Como o velho tinha acabado de instalar a parabólica no cubico, fiquei ligado ao programa religiosamente, gravava tudo em cassetes VHS e quando acabasse o programa revia as tapes repetidamente até a próxima exibição do Yo!. Nomes como Eric B & Rakim, Public Enemy, Kool Moe Dee, LL Cool J, EPMD, Run Dmc, Krs One e depois mais tarde, nomes como Black Moon, Gangstarr, A Tribe Called Quest, De La Soul, House of Pain, Onyx, Wu Tang, Cypress Hill, Nas, Big L, B.I.G etc, foram as primeiras influências musicais que tive dentro do movimento. Epá só sei que fiquei viciado na cena para sempre, e para agravar mais o vício, me passaram os filmes “Wild Style” e “Style Wars”, aí foi o fim, Hip Hop na veia até hoje. Ainda em Portugal por esta altura (90s) comecei a “graffitar” com um mano em Vale de Milhaços/Corroios (Margem Sul de Lisboa), onde eu morava e estudava. Fomos os pioneiros naquela zona. Mais tarde, junto com os manos que jogavam basket comigo, decidimos formar um grupo de Rap com o nome “Red Rasta”. Éramos cinco, no mic tínhamos o Salo, o Eric, outros dois manos que já não me lembro dos nomes, e eu atrás dos pratos e nos beats. Fizemos alguns sons que ainda chegaram de passar no programa do Marinho. Estamos a falar mais ou menos na altura em que saíu o “Rapublica” (1994). Lembro-me ainda de na altura termos atuado num espetáculo na “Escola Secundária de Linda-a-Velha” e o D-Mars ter ficado malaike com a nossa presença em palco, e de nos ter convidado para uma session no estúdio dele. Estava tudo a correr bem com o grupo e de repente o meu velho decide regressar a Angola…fiquei f*** na altura porque já tinha a minha life bem orientada por lá, e Angola pouco me dizia. Hoje não me arrependo…valeu kota!!.
Basicamente foi assim que entrei no Hip Hop e na música Rap.
Quando cheguei cá na banda, o primeiro mano que conheci foi o Mondelane, hoje conhecido como ANKH. Foi ele o responsável por me apresentar todos os boys do movimento na altura, manos como o Afro Kett, MavyMan, Negro Guailla, Kool Klever, Yannick, Mumú (RIP), Rapper Toy, Whiteshadow Killah hoje conhecido como Ikonoklasta, NK, os manos da Ebony Squad, SSP e outros, também não eram muitos. Como já era DJ na altura, comecei a tocar nos famosos meetings que a malta tinha. E foi assim que entrei no movimento local. Lembro-me das andanças como o meu boy Mavy Man pela cidade a procura de cassetes e cds de Hip Hop, das colecções do Rapper Toy e do Whiteshadow, estes manos tinham música... do “Verdades de Arquivo” dos Consciência dAfrica, da Boom Bap Squad, do Big Nelo atrás de mim para por o meu “Benz” no clip deles, de alguns niggas reclamarem dos meus sets por serem muito agressivos e dos manos da Ebony ficarem malucos quando tocasse Onyx nas festas… epá são bué de momentos, se começar a falar de todos nunca mais acabo…mas foram dias em que posso afirmar ter vivido Hip Hop.
Sendo uma pessoa com um curriculum invejável no Hip Hop angolano como é que o vê ontem e hoje?
Antes as cenas faziam-se por amor a camisola, havia poucos interesses senão o Hip Hop em si, como arte e cultura. Poucos tinham pressa em lançar, o próprio Yannick é o maior exemplo disso, o mano na altura era DJ, nas calmas, aprendeu a arte de escrever e rappar e quando se sentiu pronto, lançou o seu primeiro álbum somente em 2008 e foi o maior sucesso de todos os tempos na história do Hip Hop angolano. Hoje todo o mundo quer aparecer, já ninguém aceita esperar e aperfeiçoar primeiro a arte, parece que o mundo vai acabar amanhã. Quase todos tem um “home studio” em casa e gravar uma maquete é muito menos complicado que antigamente. Então a maioria desta nova geração só quer saber em lançar e aparecer, basta o patrocínio de um tio e boom, portaria marcada… saturaram tanto o mercado e não foi a atoa que o termo “bater na rocha” apareceu. Mas claro, a evolução é inevitável e concerteza temos muitos aspectos positivos relativos ao movimento atual. Hoje o mercado é muito maior, já há mais saída das nossas obras musicais, mais consumidores, temos melhores estúdios, mais produtores, mais realizadores e videos no mercado, designers, sites, blogs, o graffiti tecnicamente evoluiu bastante com a chegada do Spent e da Baw Crew. Temos poucos B-boys, mas já apresentam um nível superior aos b-boys da velha escola. A sociedade já respeita mais o Hip Hop, as rádios e televisão já passam mais Rap nos seus programas, basicamente a grande diferença entre o Hip Hop de ontem e o de hoje é o mercado em si, que hoje apresenta uma maior abertura e um maior volume de negócios.
Sobre os bifes que tem existido atualmente entre alguns rapers o que tem a dizer?
Desde que a cena não saia fora Hip Hop, tasse bem. O verdadeiro MC está consciente que se trata de confrontos verbais apenas. As batalhas líricas nas ruas e nos espetáculos, os disses nas tracks, tudo isto já vem desde o surgimento do Hip Hop no Bronx, é parte da essência. O que houve entre o BIG e o Tupac pouco teve haver com o Hip Hop. Não podemos limitar o MC, Rap é liberdade de expressão mano.
Fala-nos um pouco sobre a Mad Tapes (surgimento, desenvolvimento, projectos, trabalhos futuros).
Após o lançamento da minha primeira mixtape, e a primeira mixtape feita em Angola entitulada “Ruas de Luanda” em 1999, comecei a espalhar umas cassetes (daí o nome de Mad Tapes) com um conteúdo mais underground, naquela de dar a conhecer aos kambas o mundo subterrâneo, a cassetes vinham mesmo como o nome “Mad Tapes” Vol.01, Vol.02, etc. Saíram vários volumes, os últimos já com algumas tracks nacionais. Lá para 2001 decido criar uma editora independente com o objetivo de pôr fora artistas locais. Neste mesmo ano sai assim “Carnes” dos Hemoglobina, o primeiro álbum independente/underground feito em Angola e com o selo Mad Tapes. Daí adiante, em termos discográficos lançamos:
02) Ishing (Samurai e Raf Tag) – “A Ciphra da Lua Negra” 2002
03) Bob da Rage Sense – “Underground Konsciente” 2002
04) Afro Kett – Boom Bap (single) 2003
05) Bob da Rage Sense – “Bobinagem” 2004
06) Afro Kett – “Sente o Mambo” 2004
07) Kool Klever – “Kooltivar” (single) 2004
08) Absolutos – “Em Peso” 2005
09) DJI Tafinha – “Noites em Branco” 2005
10) DJ Samurai – “O Último Samurai” A Mixtape 2006
11) Raf Tag – “Demonocracia” 2007
12) Kid Mc – “Caminhos” 2008
Fora da área discográfica a Mad Tapes organizou o primeiro “Workshop” de Hip Hop em Angola (2001), onde foram debatidos vários temas relacionados com a cultura Hip Hop e onde também juntos estiveram presentes (por via de demonstrações) os quatro elementos principais deste movimento, ou seja, o Mcing, o Djing, o Graffwriting e o B-Boying. A Mad Tapes também esteve envolvida em dois programas de rádio de grande popularidade no seio do movimento, são eles o “Da Bomb Diggy” e o “Nike Repz” na LAC. Outro projecto que a label está envolvida desde 2005 é o blog online da “Mad Tapes” (http://madtapes.blogspot.com), que além de publicar cenas relativas a editora e sneakers, também tem apoiado bastante o movimento nacional. Para 2009, estou a ver se arranjo tempo para gravar a mixtape “O Último Samurai” parte II. Para sair lá para o fim do ano. O Kid está neste momento a preparar uma mixtape que lançaremos também este ano, e o mesmo já está a escrever letras e a escolher beats para o próximo álbum. Há projetos interessantes de merchadising também a sair em 2009.
Fora da Mad Tapes o que tem feito?
Bem, eu formei-me em “Comunicação Visual”, portanto quando não estou envolvido com a música e a editora Mad Tapes, estou virado para os meus trabalhos nas áreas da fotografia, vídeo e design. Quase sempre com projetos ligados ao Hip Hop. No fim acaba tudo por interligar-se. Profissionalmente trabalho como “Director de Produção” numa agência de publicidade.
Como é que foi trabalhar com rappers de boa qualidade na sua primeira mixtape da série “O Ultimo Samurai”?
São manos que um gajo já conhece há certo tempo, uns mais novos outros mais kotas. Houve uma consideração e respeito mútuo entre os artistas e a minha pessoa, e para mim, isso é o mais importante. Foi uma experiência bem positiva, juntar tanto talento na X10 (valeu D.H.) e ouvir diferentes flows, punchs, disses, etc. Este ano tenho que juntar o peeps novamente.
O que podemos saber sobre a 2ª mixtape?
Mais maturidade e menos brincadeira. Houve alguns MC´s que brincaram na mixtape, este ano não há chances. Quero fazer a merda mais fodida que já saíu neste mercado. Aguardem!!!
Qual é a tua visao sobre o rap under e o comercial cá na banda?
Sinceramente já ando farto desta conversa. Para mim há Hip Hop, há bons MCs e fracos MCs, tanto no underground como no mainstream. Todos promovem e comercializam as suas obras. O Kid Mc, por exemplo, foi mais bem sucedido comercialmente que muitos MCs ditos ou considerados comerciais. A diferença destes dois universos verifica-se mais na temática e sonoridade. Na maioria dos casos e obviamente, o rap dito comercial tem maior aceitação pela sociedade e os órgãos de comunicação (TV, jornais, radio, revistas etc.) que pouco entendem sobre a verdadeira essência do Hip Hop e optam por produtos mais rapidamente processados, consumíveis e compatíveis com o sistema. O underground por sua vez já se apresenta na maioria dos casos mais intervecionista e inconformista perante o sistema atual, tanto pelo seu conteúdo lírico como pela sua sonoridade. Ora isto incomoda bastante aqueles que preferem uma sociedade que aceita as coisas como são. Esta forma de fazer Hip Hop é considerada Underground por não ter a mesma exposição e aceitação que o rap comercial. Mas tudo isto é relativo e pluralista. Temos casos de artistas underground que conseguem alcançar o mainstream e aceitação pela sociedade em geral, e de artistas comerciais que continuam no anonimato e sem afirmação nenhuma no mercado. Já fui muito radical neste assunto, mas hoje vejo esta linha divisória muito fina e transparente, pois admiro artistas tanto do movimento under como do mainstream. Identifico-me claramente mais pelo Underground por ter mais significado com o meu estilo de vida e estado de espírito e por estar mais ligado a essência do Hip Hop. Mas não condeno o movimento comercial ou mainstream, condeno sim a falta de skill, ignorância e arrogância de fracos mcs tanto no mainstream como no underground. É difícil acreditar mas há gajos no movimento que nem sabem o que é um "Break Beat".
Quais as tuas fontes de inspiração no Hip Hop?
A sua essência. Fazer cenas novas, mas sem esquecer os fundamentos. Tenho sempre o passado como referência para criar projetos inovadores. Não é bem inspiração, diz-se que inspiração é para amadores, tem mais haver com referência e tendências que formam o teu universo cultural.
Sente-se realizado no Hip Hop?
Há sempre elementos novos dentro do movimento, sejam eles novos Mcs, novos produtores, novos Graffwriters, novos albums e produtos, etc. Por isso ainda tenho muita cena para lançar e mostrar via Mad Tapes e não só, acho que ainda é muito cedo para me sentir realizado se bem que já estou nesta cena há muito tempo.
Ultimas considerações (abraços, kandandus, aviso, publicidade)?
Um abraço a todos os manos que continuam firmes e com garra no Hip Hop e a todos aqueles que continuam a apoiar a Mad Tapes. Sem vocês tudo isto não seria possível. Obrigado mesmo.
Fonte: http://www.kiangola.blogspot.com/
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