terça-feira, 4 de agosto de 2009

Re.Fem fala ao Enraizados



RE.FEM RE.FEM

Re.Fem, palavra singular, dotada de toda uma simbologia e inúmeros significados. Para Janaina oliveira, ele só tem um - A busca pelo não comodismo e a luta constante pela conquista de seu espaço. Antigamente, aquela menina amarela e um pouco pequenina, como ela mesmo diz, subia aos palcos e chocava o público. “Eles esperavam que uma negona, grandona, ia subir no palco e quando me viam ficavam tristes”. Mas bastava abrir a boca para saberem que a jovem queria mais que um pátio de colégio e que estava naquele lugar com um propósito.

Como começou sua história no Hip Hop?
É... Começou em 1998, que eu me lembro exatamente, comecei a ouvir as primeiras musicas, conheci Racionais e tinha uma galera da minha área que começou a cantar Rap, além do meu primo Allan. Aí eu acompanhava ele nas coisas.

Na época a Damas do Rap não estava mais cantando, então eu ficava pensando onde estavam as mulheres da Baixada, não tinha mulher fazendo Rap na Baixada e eu não gostava muito do estilo das outras meninas. Eu achava que faltava o envolvimento social, eram ótimas artistas, ótimas rappers, mas não tinham haver com o movimento e não representavam a mulher da Baixada Fluminense. Então eu pensei, vou fazer uma letra e cantar nesse bagulho aí, porque eu acho que tem que juntar tudo, tem que ser feminina. Na época ainda havia no movimento muitas mulheres masculinizadas, usando aquelas roupas largas e tal, e que tinham uma atuação forte no movimento.

Como é nascer e crescer em periferia?
É... Para mim foi muito legal, eu tive uma infância muito boa, de estar na rua, subir em árvores, jogar bola de gude com os moleques, sempre fui muito de andar com homens, tipo jogar bola, brigar na rua, sempre fui muito assim e acho que a periferia te dá muito essa liberdade. Certo que na minha época tinha chacina, e a atuação dos grupos de extermínio era muito forte aqui, então todo final de semana tinha essa coisa da violência muito forte.

Por mais que eu não vivesse isso, sabia que acontecia, só fui ter noção disso depois que cresci, ai eu vi quanta coisa errada que tinha na periferia, que eu comecei a ir ao centro do Rio e ver a diferença gritante de estrutura, de saneamento, saúde, e ai conseguia ver o quanto que viver na periferia era difícil. Comecei a pensar no que eu poderia fazer e em como poderia exigir meus direitos, como gritaria o que estava acontecendo, foi nesse período que comecei a me revoltar que conheci o Hip Hop e nesse período que ele deu voz as coisa que queria dizer. Porque só eu, a Janaina moradora de Parada Angelica, só eu gritando ninguém iria ouvir, mas eu tendo uma voz dentro do Hip Hop que ecoa nacional e internacionalmente, essa foi o principal o objetivo de estar dentro da cultura. Foi essa coisa de que o Hip Hop dá voz a periferia.

O que Re.Fem fazia antes de ser rapper? como foi mudar de rotina?
Eu tinha mais ou menos 18 anos, eu só estudava e nessa época eu era empregada doméstica e até mesmo foi o que me ajudou a ter a grana para começar. Eu por mais que eu fosse de família pobre, minha mãe sempre priorizava que valorizássemos o estudo e que só começássemos a trabalhar depois de tudo concluído. Nesse período eu estava fazendo vários cursos de formação e eu mais estudava. Eu queria ser contadora, amo essa coisa de matemática financeira, o controle financeiro é uma parada que me encanta, mas hoje eu não quero, e também nem sei o que quero ser, porque faço produção de audiovisual, produção de evento, dou aula. O Hip Hop me abriu um leque de várias oportunidade e campos de atuação que eu ainda não decidi se escolho uma área ou se continuo a fazer tudo de uma vez só.

Isso mudou minha vida completamente, se não fosse o Hip Hop eu seguramente seria agora uma balconista no meu bairro, como eu já fui antes, estaria casada e com meus filhos, teria uma vida medíocre, como a média de onde moro.

Por conta do Hip Hop eu conheci pessoas, viajei o brasil, saí do Brasil inclusive, virei cineasta, estou terminando minha faculdade, tenho um respeito e o que eu digo é importante para as pessoas, as coisas que eu faço são importantes para outras pessoas. É uma mudança imprevisível, é muito louco porque eu não sei o que vai acontecer amanhã. Eu demorei a chegar aqui porque quando estava saindo de casa eu recebi um convite para estar em Recife dia 18, nunca que eu ia imaginar isso, porque acabei de chegar de São Paulo. É muito louco e esse conhecimento, esse intercambio, só o Hip Hop traz para você

Você considera o Hip Hop um movimento Machista? por quê?
Eu acreditava nisso, mas ai com o tempo e com a vivência acho que nos mais de 10 anos, nem contei porque o que conta são as ações que você faz dentro da cultura e não o tempo que está ali, tem gente que está a 30 anos no Hip Hop e não fez nada, enquanto outros que chegaram a 3 anos fizeram muita coisa já.

Eu tinha um pensamento de que ele era, mas hoje eu tenho um pensamento de que a nossa sociedade é machista, a nossa criação é machista, nós somos machistas, então a cultura Hip Hop só reflete o que está dentro da sociedade, onde a mulher tem menos poder, menos valor e que ela realmente será desfavorecia em um monte de coisa. Dentro da cultura Hip Hop você só reproduz, é um espelho da sociedade, a gente está nesse conjunto e não tem como escapar disso. Como a mulher vai sofrer questões de machismo, preconceito, invisibilidade dentro do Forró, dentro de qualquer outro, tanto cultural, tanto social, de qualquer outro movimento.

Atualmente, já podemos identificar vários homens feministas dentro da cultura, e eu destaco com muito orgulho a galera do Enraizados, como uma organização feminista. Eu estava em São Paulo e a galera do MH2R estavam no encontro do Hip Hop Mulher com uma postura tão feminista, tão linda. Então, mais uma vez, o Hip Hop está refletindo essa consciência social do papel da mulher dentro da sociedade, que estamos cobrando isso socialmente do Hip Hop e que isto está sendo refletido positivamente.

Então o Hip Hop é uma cultura sim machista, porque a sociedade é, mas uma cultura que está se transformando e é muito legal estar acompanhando esse processo de transformação.

Como é ser mulher militando no movimento Hip Hop?
Acho fundamental, não vejo você estar no Hip Hop e não militar. Para mim Hip Hop não é show, quando as meninas me perguntam: ´e ai Re. Fem, está cantando?´ eu digo: ´às vezes estou cantando, mas eu faço a militância, o ativismo no Hip Hop o tempo inteiro´. Então eu estou muito mais dentro das bases, junto com as pessoas, fazendo as ações do que cantando, primeiro eu vou lá e fazer e depois ir lá e cantar. Isso para mim é Rap, isso para mim é Hip Hop, e para mim isso é fundamental, respeitando as outras pessoas que estão no Hip Hop para ser artista. Então eu não considero estar dentro do movimento, eles são apenas rappers, apenas graffiteiros. E respeito muito mais as pessoas que, além de ser artistas, é a pessoa que movimenta.

Como acredita que a mídia enxerga o rapper? acredita que o fato de ser mulher crie uma barreira para que o movimento cresça perante a mídia?
A mídia alternativa tem dado uma visibilidade para o Hip Hop muito grande nos últimos 5 anos, temos programas de TV espalhados por vários estados, tínhamos um no Rio Grande do Sul, temos o Manos e Minas em São Paulo, Tvs e rádios comunitárias falando de Hip Hop. Mas quando falamos da mídia tradicional o espaço que tem para o Hip Hop é para a cultura, para o artista, não para a galera que faz mesmo o movimento, a militância. Então os artistas estão lá, eu acho legal e tal, acho que sempre tem algumas críticas.

Estou em formando em publicidade e sei o quando a mídia é terrível e o quanto é difícil você entrar lá dentro sem jogar o jogo, Confesso a você que estou aprendendo como fazer isso, mas a gente tem que ver o lado positivo, porque é importante você dar visibilidade, por mais que seja só o artista aparecendo ele dá visibilidade para a cultura e indiretamente a galera que está fazendo o movimento está sendo atingida.

Uma coisa nisso foi positiva para mim, o filme Antônia saiu quase junto com o Rap de Saia então deu visibilidade para o documentário, tanto que a gente conseguiu uma capa do 2° caderno do jornal o globo de domingo falando do Antônia e do Rap de Saia, mas deu um destaque maior para o Rap de Saia por ser do Rio de Janeiro. Então, se você souber aproveitar, você vai no bonde sem se corromper. Tem que ver caminhos de como se utilizar dessa mídia tradicional sem se vender.

O que mais te marcou nesse tempo de carreira?
Foi tanta coisa... é que cada coisa para mim marca muito, tudo que eu faço é muito marcante, cada dia que eu levanto e faço uma ação marca muito, não posso escolher uma coisa. Marcou muito para mim o primeiro dia que eu subi no palco. Inicialmente eramos 4 meninas, só que as outras 3 desistiram, ficaram com medo e eu falei que ia cantar, que era o que eu queria para mim, então subi sozinha. Eu era uma louca, nem sabia como se vestia no Hip Hop, estava de óculos amarelo, uma meia até aqui (joelho). Desde esse dia, que foi dia 13 de fevereiro de 2000, tudo foi marcante para mim, cada show, cada apresentação, cada evento que participei, cada evento que ajudei a organizar, cada viagem, cada menina que diz se espelhar no meu trabalho, cada pessoa que fala da música que eu fiz, cada pessoa que fala das resenhas que eu fiz.

Eu fiz o roteiro e dirigi o videoclipe Rosas, que fala da violência contra a mulher, então essa semana mesmo em São Paulo, teve uma mulher que deu um depoimento dizendo que na comunidade dela tinha uma mulher apanhava muito do marido, então aconselhou a ela que toda vez que o marido fosse bater nela, colocasse o videoclipe para passar na hora em que eles estavam brigando. Já tinha 3 semanas que ela não apanhava do marido.

Esse videoclipe salvou vida de muitas mulheres e isso para mim é extraordinário, saber que você está fazendo uma coisa que não é bom só para você, que cada dia que você levanta e que cada movimento que tu faz para estar viva é importante para outras pessoas. Isso para mim é extraordinário e que só o Hip Hop pode me dar.

O que ainda falta conseguir?
Acho que falta eu casar e ter meus 6 filhos (risos). Sou muito feliz assim, acho que só falta isso para completar a minha felicidade, para ficar legal. Esse é o meu sonho, mas eu quero casar e ficar para sempre, ficar velinha, ter meus 6 filhos. Sei que esse é um sonho quase impossível hoje em dia. Então esse é o meu sonho, porque eu sei que todo o resto eu estou realizando.

Como pensa que deveria ser a atuação do governo junto aos movimentos culturais do país?
Se formos fazer uma retrospectiva, a atuação do governo é muito melhor, muito boa nesses últimos anos. estamos vivendo um momento muito bom em questão de políticas públicas culturais, muitos editais, muitos financiamentos, Hip Hop sendo reconhecido como tal, ganhando para isso. Certo que pode melhorar e eu acho que ainda é no dialogo, é saber o que esses movimentos querem em politicas publicas. Então falta em diálogo e trabalhar com uma menor burocracia, porque a verdadeira cultura é feita de maneira independente.

Quais músicas esta ouvindo agora?
Ópera. Estou encantada com Andrea, Pavarotti, porque é uma música forte, que toca na alma, que faz você viajar e estou no momento que eu quero viajar, sair dessa realidade. Ela também fala de amor e eu estou me amando muito, amando tudo que eu faço, amando tudo que acontece, amando muito todas as pessoas que estão perto de mim. Ela reflete também um pouco de drama e eu sou uma pessoa muito dramática. E reflete também a busca pelo impossível.

Contatos:
(21)93622811
janainaoly@gmail.com
www.myspace.com/revoltafeminina




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