segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Lívia Cruz: a ousadia de quem sabe o que quer



Nascida em 11 de outubro de 1985, na cidade de Recife (PE), Lívia Fontoura Silva Cruz, conhecida no Rap como Lívia Cruz, iniciou sua experiência musical com 14 anos de idade, quando começou a compor seus primeiros versos e rimas, passando a integrar um grupo de Rap de sua localidade. Em sua adolescência, se mudou para o Rio de Janeiro em busca de profissão, onde teve contato com o coletivo Brutal Crew e gravou a sua primeira música, “Viúva Rainha”, produzida por DJ Babão. Sua primeira faixa rendeu indicações ao prêmio Hutuz em 2003, além de ser indicada em 2007, com a faixa "Mel e Dendê". Lívia concorre na premiação Hutuz, na categoria Demo Feminina do Século. Atualmente trabalha em seu primeiro disco oficial, ainda sem título. A cantora já participou de projetos com grandes produtores e grupos da cena. A seguir, confira algumas idéias de Lívia Cruz, artista que é destaque na mixtape "Rotação 33", do DJ KLjay.

Central Hip-Hop: Nos fale sobre seus projetos atuais e futuros. No que está focada neste momento?
Lívia Cruz:
Agora estamos na reta final da produção do disco, são milhões de detalhes, vai muito além da composição, letra, gravação, voz. Por ser o primeiro, estou surpresa com a complexidade do negócio, mas estou aprendendo e curtindo o processo. O disco é uma parceria minha com o produtor Ariel Haller, nos conhecemos durante as gravações do Viela 17, no ano passado, começamos a trabalhar juntos, e a identificação foi imediata, nesse período de um ano criamos uma sintonia e o trabalho fluiu. O Ariel está pra lançar uma coletânea só com vocais femininos, gente da pesada como Indiana Nomma e Ellen Oléria, mulheres de varias partes do Brasil participarão, eu to junto, acho esse disco uma iniciativa muito maneira, de trabalhar com foco na mulher, na sua sensibilidade e na sua força, as faixas estão lindas! Além dos meus projetos, sempre recebo convites pra participações, faço com a maior satisfação, é uma forma de transitar e conhecer outros universos. Agora, em especial, estou na expectativa da Coletânea da “SALLVE”, de uma grife de Curitiba, que está sendo produzida pelo Nave e já está fazendo barulho por aí. Por hora é o que eu posso adiantar.

CHH: Como foi participar do projeto “Rotação 33” do DJ KL Jay, um dos mais conceituados do Brasil?
Lívia Cruz: Eu considero como um marco na minha trajetória musical, antes e depois do Rotação 33. Encontrei com o Kleber na Lapa, no começo de 2006, quando eu tava divulgando meu CD Demo, no Rio de Janeiro, um tempo depois, ele entrou em contato comigo, dizendo que curtiu minhas musicas, e me convidou pro projeto, claro que eu confirmei presença imediatamente. Meses depois, fui com o Aori gravar uma faixa em Sampa, achei que tava pronta, fiquei ensaiando no ônibus pra chegar ao estúdio afiada e, no momento da gravação, vi que faltavam alguns versos pra ficar certinho no tempo da música, escrevi o que faltava lá mesmo na hora, foi um desafio, por tudo que estava envolvido, mas acabou sendo mais um tempero, fiquei muito feliz com o resultado. Já em 2007, o Kleber me ligou pra comunicar o lançamento do CD/DVD que foi no SESC Pompéia, na época eu tinha acabado de dar à luz minha filha, e achei que não poderia participar, ele fez questão da minha presença, e me deu toda estrutura pra que eu pudesse ir com ela. Eu fui, e foi lindo, o teatro cheio, tinha gente na platéia que já sabia as letras, foi emocionante, o filme foi exibido lá mesmo antes do show, as imagens ficaram muito maneiras, captadas e editadas pelos caras da TREZE produções. No Rotação 33, tive oportunidade de conhecer pessoas sérias, focadas, eu aprendi com eles a encarar o Rap como profissão, mudou minha visão completamente, ali eu me reconheci e fui reconhecida, sou muito grata ao Kljay e aos Mestres de Cerimônia, Aori, Max BO, De Leve, Gaspar, Indião, Phantom, Flora, Fator, Parteum, Kamau. Fiz amigos nesse trabalho, isso é muita riqueza inesquecível!

CHH: O que você acha que falta no Rap brasileiro atualmente?
Lívia Cruz: O que falta ou o que sobra? Essas duas perguntas são difíceis, e se elas não viessem pra mim, dificilmente eu tocaria no assunto. Acho que ta sobrando gente que acha que é fácil, rimar, produzir uma música, manter uma festa, promover um show, essas pessoas acham que é só por uma roupinha maneira, encher o vocabulário de gíria bater no peito e dizer que “é O RAP”. Está sobrando gente que a acha que copiar o outro vai dar resultado, está sobrando cara que propõe trabalho em troca de sexo, está sobrando mina que aceita. Olha, não sei se serve de consolo, mas eu acredito que essa sobra não é uma exclusividade do Rap, acho que em todos os estilos musicais, em todas as carreiras, tem os honestos e tem os que vem só por status, fama, e sei lá mais quantos motivos que não sejam o trabalho em si, essa gente incomoda, e especialmente no Rap brasileiro, tão autodidata e tão pouco reconhecido, essa gente atrasa, mas falei ali no começo que seria difícil me ver falar disso, por que prefiro focar no trabalho antes de pensar nessas coisas. Pro meu trabalho acontecer da forma que deve ser, falta muita coisa. Falta respeito, inclusive das pessoas que também trampam no Rap, falta pra maioria de nós, falta reconhecermos nossa carreira, viver isso, acordar cedo, ter disciplina, ralar de verdade, falta grana, saber usar essa grana, falta tanta coisa. É isso, lutamos com as armas que temos nas batalhas que escolhemos.

CHH: Você acha que ainda existe machismo e preconceito no Rap?
Lívia Cruz: Existe sim, muita coisa mudou, mas a gente ainda sente uma discriminação, vivemos numa sociedade machista, sentimos isso em todo lugar, não é uma exclusividade do Rap. Na verdade, a expectativa dentro do Rap, do Hip-Hop em geral, era de que esse preconceito não existisse, ou fosse menor, por ser uma proposta revolucionária, contrária aos conceitos estabelecidos pela sociedade, mas não é assim que vem acontecendo na pratica, aí caímos naquela velha discussão de que “é a arte que influencia o comportamento ou comportamento influencia a arte, mas essa discussão é sem fim, por que as duas coisas acontecem. Hoje eu me sinto confortável onde estou, fui recebida pela porta da frente numa casa construída com muito esforço e coragem. Dina di, Nega gizza, Lady Cris, Rubia, Negra Li, são algumas dessas mulheres que conduziram essa historia muito bem, tenho muito orgulho de fazer parte disso.

CHH: Fale um pouco sobre seu primeiro disco solo. O que vem por aí?
Lívia Cruz: O que vem por aí é bem ousado, um passeio no universo feminino em seus extremos, é polêmico, sexy, bem minha cara e de muitas minas, as faixas estão bem ricas, além dos samples contamos com a presença de instrumentos musicas, um diferencial nos discos de Rap Nacional.

As musicas são em sua maioria assinadas por mim e pelo Ariel, mas o disco vai vir com varias participações, nas produções e nos vocais. Don L, Angel Duarte, Japão, De Leve, Dario, Nave, são alguns nomes confirmados. Lançaremos um novo single nas próximas semanas.

CHH: O que costuma abordar em suas letras? O que costuma ouvir, e o que te influência em suas composições?
Lívia Cruz: Eu escrevo sobre os sentimentos, tento questionar mais do que trazer respostas. Não escolhi uma linha, uma única bandeira, vai do momento, vem muitas vezes do que um instrumental me fez pensar, uma imagem, um desejo, uma pessoa nova que eu conheci e mudou meu dia. Gosto de falar de amor por si só, e além do romance, percebo que anda faltando isso no cotidiano das pessoas, falta gentileza, consideração, autoestima, as pessoas andam muito mais preocupadas em ter do que ser, eu vejo as pessoas muito solitárias, me sinto assim também, quando escrevo dou forma as coisas em que acredito, nas linhas, nos contrastes, nas letras eu idealizo, me fortaleço, daí não me sinto mais só.

Eu gosto das vozes femininas, Marisa monte, Ellen Oleria, Céu, Erikah Badu, Jill Scott, Sade, Alcione, Keyshia Cole e por ai vai... Minhas seleções variam muito, tem reggae, samba, house, funk, curto a música que me emociona e embala, não importa muito o gênero, adoro sair pra dançar, nessas ocasiões sou mais do batidão, e em casa mais das baladinhas românticas, sou fã do Belo, pra mim é um dos melhores cantores do Brasil.

No Rap, eu procuro sempre me atualizar das novidades, é raro eu comprar um disco, mas tenho os do Emicida, Kamau, DVD do GOG, do MV Bill, mas a maioria eu ouço mesmo nos Myspace, ou baixo na internet. Aqui em Brasília os caras tem um jeito único de fazer Rap, quando você ouve já se liga, eu adoro, acho muito swingado, Tati Beladona, Lil chic, Don Gerson, Viela 17, as produções do Duck Jay, vários. Sobre o que me influencia, respondi um pouco na pergunta anterior, eu gosto de ser livre, da musica livre, liberdade traz responsabilidade na busca pelo equilíbrio.

CHH: Recentemente você concorreu no quadro Garagem do Faustão, da TV Globo, e teve uma excelente aceitação do público. O que você acha que falta para que o Rap tenha seu espaço garantido nos veículos de comunicação em massa?
Lívia Cruz: Não falta nada, algumas das figuras mais importantes do Rap nacional tem esse espaço e não usam porque não querem, outros usam o espaço que tem, da forma que acham adequado. O mercado musical está cansado, está sem novidades há muito tempo, quando eu digo “o mercado”... estou falando o da massa, o da grande indústria, das gravadoras, seus programas de TV e rádio. Uma prova disso é essa renovada que a MTV deu na sua premiação, tanto nas categorias, quanto nos critérios de indicação, o garagem do Faustão, como tantos outros semelhantes, surgiram por isso. Acho que estamos em um momento bom, nós do independente, de criar novos mercados, novas formas de fazer o negócio, e bom também pra nós do Rap em especial, enquanto essas novas fórmulas vão surgindo, vamos ocupando os espaços, nos renovando também, o Rap é a cara da juventude brasileira, uma das provas, é que essa gente que opera a máquina da indústria,andou colocando umas cópias nas prateleiras, mas essas não vendem, por que ao contrário do que eles pensam, nossa gente não é burra. Aos poucos eles se renovam também, começam a pensar de outro jeito.

CHH: Fale sua trajetória na música. Quais os objetivos que alcançou e quais ainda pretende alcançar?
Lívia Cruz: Eu já trabalhei com gente muito boa, mesmo quando era mais como diversão do que profissão. Comecei cantando com um grupo de Recife chamado “Atitude Real” que nem existe mais, já escrevia alguns versos e senti que o espaço não era aquele, então sai do grupo. Mudei pro Rio de Janeiro, vivi no bairro de Santa Tereza, pertinho da Lapa, fiz minha primeira gravação no Campo de Concentração, em um beat do DJ Babão. Aori, Iky, Funkero, e mais dezenas de visitantes produziam seus lances lá, foi uma fase incrível, de muito aprendizado, ali eu convivi com Mestres, caras de quem me tornei fã como MCs e como pessoas. O caminho me trouxe oportunidades de trabalhar com artistas muito talentosos, fiz shows com os grupos NegaAtiva, Hanna Lima, Brutal Crew, na fundação progresso, Teatro Odisseia, CCBB, Sesc Niterói, Pompeia, gravei com o Aori (Inumanos), KL JAY, Viela 17, Don L, Angel Duarte, Ariel Haller, Nave, Dario, Dj Hadji. Sabe... da primeira vez que subi em um palco até hoje, meus objetivos mudaram tanto, e tudo que aconteceu e está acontecendo, eu nunca tinha ousado imaginar, acho que essa é a graça do lance, ser sempre surpreendente. Meus objetivos hoje são viver da minha musica e continuar sendo surpreendida.

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