domingo, 29 de novembro de 2009

Hip-Hop-Sou-Eu entrevista CAPICUA



CAPICUA é sinónimo de versatilidade, disciplina e talento no microfone. No activo desde o fim dos anos 90 e com um buzz considerável no movimento, esta Rapper nativa do Porto foi contactada pela Hip-Hop-Sou-Eu para uma pequena entrevista. “Capicua Goes Preemo” na »HORIZONTAL RECORDS«



HHSE -
Peace fam, Como é que estas?


CAPICUA - Estou bem obrigada! E já agora agradeço o vosso interesse em entrevistar-me e o trabalho que têm feito por todos nós.

HHSE - Qual foi a tua primeira memória no Hip-Hop?

CAPICUA - (Risos) A memória é mais dos meus pais, que estão sempre a lembrar as vezes em que eu chegava a casa do infantário a dizer que tinha aprendido "brinc-dance" e me punha de rabo no chão às voltas sobre mim própria... mas na verdade nunca tive vontade de prosseguir essa minha "queda" para a dança e acho que ainda bem porque não tenho grande talento. Quanto a memórias mais consistentes, tenho muitas e boas de 1997, 1998 no Porto, de trocarmos cassetes do programa do Marinho, de pintar na rua com latas para frigoríficos, das festas no Comix, de concertos de Dealema e Matozoo, dos muitos amigos que fiz e que ainda tenho e de como o Hip-Hop enriqueceu a minha adolescência.

HHSE - O teu nome "CAPICUA" tem algum significado especial?

CAPICUA - Capicua é um número que, como "ANA" se lê da mesma maneira de trás para a frente e vice-versa. São números que dão sorte, como a que tenho tido na vida e gosto de cultivar. E enquanto ideia representa a circularidade, o eterno retorno, a infinitude, que afinal encontramos na natureza, no universo e nas até nossas histórias pessoais. Mas sobretudo gosto de "capicua" como palavra, gosto da forma como soa e gosto da maneira como se desmonta alegremente para os meus amigos me poderem chamar "Capi"... (Risos)

HHSE - Quando é que sentiste que tinhas skills e resolveste "pick up the mic"?

CAPICUA - Eu comecei a fazer rap porque sempre gostei de escrever e principalmente rimas. Durante alguns anos escrevia só para mim, depois comecei a tentar encaixar as minhas rimas selvagens no tempo e era um desafio bem difícil. Nessa luta já tinha a Marta a meu lado e alguns beats do Mundo, bons demais para a minha rigidez métrica e para a timidez dela. Passaram-se anos nisto, entre tentativas vagas e períodos em que só consumíamos o rap dos outros. E depois, quando passei uns meses em Barcelona, conheci dois amigos (o Grilo e o Amp) que me incentivaram muito e recomecei, dessa vez com mais pica para voltar a Portugal e tomar isto seriamente. E calhou bem porque quando regressei ao Porto a Marta estava também cheia de ideias e fomos logo bater à porta do Di (D-one) e comoçámos Syzygy (final de 2004). Agora isso de sentir que tinha skills acho que foi bem mais tarde... com os progressos feitos à custa de muito trabalho e às vezes ainda tenho as minhas inseguranças.



HHSE - Como foi a aceitação do teu primeiro EP "Mau Feitio"?

CAPICUA - Devo dizer que o meu primeiro EP foi de Syzygy em 2006. Mau Feitio foi o segundo em 2008, com o Auge e o D-one, no mesmo ano em que saiu a Mixtape.
A aceitação foi boa, mas não senti que tivéssemos chegado a muita gente. Fizemos um esforço de divulgação e até filmámos um clip, mas foi difícil disseminar o trabalho. Mesmo assim para nós foi uma vitória e tivemos boas críticas. Principalmente, acho que fizemos algo com pés e cabeça, um EP coeso, em que cada um dos 3 tem uma influência muito marcada, com um som colorido, musical e eclético... e eu diverti-me e aprendi muito no processo. Com o Auge aprendi a ser agressiva nos takes...(Risos)... até aí parecia sempre uma criança feliz.

HHSE - Foi editado em que Formato?

CAPICUA - Foi posto em Mp3 na net para download gratuito como é tradição de "família".

HHSE - Posteriormente ao teu EP lançaste a Mixtape "CAPICUA GOES PRIMO". Porque "GOES DJ PREMIER"?

CAPICUA - Preemo primeiro porque é incontornável e segundo porque eu sempre fui habituada aos beats do Porto, rápidos, com bombos fodidos e quase épicos nos samples e nos ambientes e estava a sentir a necessidade de me experimentar em bases mais cruas e que dessem mais espaço para me expor. Claro que essa exposição é sempre arriscada e era mesmo esse o desafio. O Preemo é genial na sua simplicidade e gere muito bem os limites entre o brilhantismo da sua produção e o espaço que deixa aos Mc's para fazerem da palavra a protagonista.



HHSE -
Segundo consta o link para download foi bastante visitado. Isso é verdade? Tens alguma estimativa de quantos downloads teve a mixtape?


CAPICUA - Pois, para saberem os números ao certo têm de perguntar ao Hugo que gere o site da Horizontal... ele é que pode saber isso ao certo. Eu apenas sei que nas primeiras duas semanas tivemos mais de 10000 downloads e isso para mim já foi uma surpresa tão grande que nesses dias andava meia tonta. Recebi muitas mensagens e muito amor, tanto de pessoas que eu não conheço de lado nenhum, como de Mc's cujo trabalho eu seguia há muito tempo. Foi muito estranho porque comecei a sentir que tinha uma responsabilidade. Até aí ninguém estava à minha espera e poucos tinham ouvido o meu nome. De repente comecei a sentir o peso das expectativas e o agri-doce de tudo isso. Acho que esse processo me fez pensar muito nas minhas motivações e porque é que eu tinha começado no rap. E é mesmo isso que eu quero ter sempre presente - EU FAÇO ISTO PARA ME DIVERTIR! O resto é peanuts!

HHSE - Syzygy é o teu grupo com a M7 aka Martataca e D-ONE. Fala-me dessa junção!

CAPICUA - Junção é mesmo essa! (Risos) Eu e a M7, somos amigas há muitos anos, nisto do rap mas principalmente em tudo o resto e complementamo-nos com as nossas vozes, estilos e vocabulários diferentes. Divertimo-nos muito a trabalhar juntas e somos esforçadas e perfeccionistas com a mesma intensidade. O Di é o nosso companheiro de aventuras, tem toda a paciência do mundo, trabalha muito por nós, ri-se das nossas conversas parvas e está do nosso lado sempre. Ele tem muito talento e partilha do nosso espírito positivo e da nossa alegria em fazer música. Com ele desenvolvemos muito os skills de fazer omeletas sem ovos, na lógica do "pouco material, muito trabalho, muito talento, bons resultados!"...(Risos)

HHSE - Noto em ti uma grande quimica pelo "Boom Bap". Que produtores estas a sentir além fronteiras?

CAPICUA - Eu gosto de beats de vários estilos. Escolho beats consoante o tipo de registo que quero experimentar e o ambiente que quero construir num som. Na verdade nem sou de andar sempre actualizada em tudo o que sai, nem de ficar agarrada a tendências de produção ou a desmontar pormenores técnicos. Gosto de beats, mas olho para eles com um sentimento utilitário, do género "o que é que dá para fazer aqui?". Lá fora gosto de produtores muito diferentes que podem ir do Preemo e do Dre ao Just Blaze, passando pelo Kanye e pelo Embee...



HHSE - O que define para ti um bom MC no seu total (a nível de conteudo/mensagem, flow, Etc) ?

CAPICUA - Um bom Mc tem de mostrar que se diverte, não pode transparecer o esforço e o trabalho que teve para dar aquele take. Tem de ser inconfundível e captar a atenção de quem ouve, sem merdas - ele cuspiu e tu colaste a ouvir e não há dúvidas que só pode ser ele. Tem de ser versátil e ao mesmo tempo coerente, ou seja, manter um estilo consistente e próprio sem estar sempre a fazer a mesma coisa. Tem de ser comunicativo, mesmo quando não há grande mensagem por trás, é muito importante que se entenda o que ele queria dizer. Tem de ter ginga, ser flexível no tempo, brincar com a cadência das palavras e ser fluído. Tem de ser minimamente competitivo, para ter a pica para se superar constantemente, porque no fundo isso faz parte do Hip-hop. Tem de ser responsável pelo que diz e sobretudo tem de trabalhar muito e ter fome de microfone!

HHSE - Alguma vez sentiste discriminação por seres uma Female Rapper?

CAPICUA - Não, o que não quer dizer que não exista essa descriminação. Ser mulher e Mc dá-te mais visibilidade e destaque, o que facilita, mas ao mesmo tempo exige que proves 3 vezes mais que gostas mesmo de rap e que não estás só à procura de protagonismo para o teu decote, ou de arranjar um namorado do rap, ou todo um conjunto de merdas que cabem na cabeça de muita gente. É claro que depois de provares isso ainda passas por muitos anos em que só és comparada a outras mulheres, como se o rap fosse como o desporto e não um "campeonato" misto! eheheh! Mas acho que agora começa a ser diferente e os nossos "colegas" já começam a convidar as mulheres para participar em sons que não falam só de amor...eheheh .... e o público já começa a comparar skills independentemente de haver um útero por trás ou não. Acredita que isso é uma grande vitória!

HHSE - O que tens a dizer sobre o machismo no Hip-Hop?

CAPICUA - Tenho a dizer que o machismo no Hip-hop não é muito diferente do machismo da sociedade em geral e que apenas é mais visível por desde o início ter um carácter assumidamente masculino e porque não tem muita tendência para o politicamente correcto. Ao contrário de outras culturas, no Hip-hop a presença das mulheres sempre foi muito secundária e isso não se transforma de um momento para o outro, leva o seu tempo. Basta ver quantas Mc's mulheres americanas chegam ao mainstream a comparar com os homens. De qualquer forma, acho que, pelo menos aqui em Portugal, tudo é mais flexível e há mais espaço para se contornar essa dominação. Claro que vão continuar a haver letras que diminuem as mulheres a nacos de carne com buracos e clips com coxas em grande plano e que todos vão continuar a achar que isso é normal e eu não sou ingénua para achar que isso vai mudar, porque duas ou três de nós que fazemos rap esperneamos muito ou tentamos "envangelizar" os nossos colegas embrutecidos...eheheh!. Mas que ao menos as mulheres continuem a ganhar o seu espaço no Hip-hop, porque se divertem, porque têm talento e porque é bom demais para não o viverem, mesmo que por vezes seja hostil e injusto.

HHSE - Projectos para o futuro e palavras finais.

CAPICUA - Para já quero recuperar da fase pouco criativa em que me encontro e que quero que termine rápido...(Risos) Depois...trabalhar no álbum de Syzygy, experimentar umas coisas de Spoken Word (ando com vontade há muito tempo) e mais tarde fazer a 2ª parte da Mixtape... sem pressas... (Risos) Palavras finais...hummm... Quero agradecer a todos os que ouvem a minha música e que espalham pelos amigos e aparecem nos concertos! Eu nem sempre demonstro mas sinto-me grata todos os dias por vocês estarem perto. E quero agradecer também aos rappers que fazem RAP com letras grandes e me dão inspiração! Tragam mais música para que não se esgote o repertório nos auscultadores! E dizer a todos (ouvintes e mc's) para viverem o rap como ele deve ser vivido - com paixão e intensidade, mas de forma positiva e pacífica! Não vale a pena alimentar azedumes e envergonharmo-nos uns aos outros! Isto é para levar a sério até certo ponto! Paz! Um abraço a tod@s! MYSPACE


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