sexta-feira, 13 de novembro de 2009

MAGFOLIO com Mr Dheo - "Vandalismo é o que acontece na política"





1. Boas Dheo, vamos começar de uma forma diferente, vais-me responder qual é o teu maior sonho...

Começas de uma forma inesperada de facto, mas se é uma pergunta abrangente acho sinceramente que não fujo ao típico, que é ser feliz, a todos os níveis. E isto engloba obviamente graffiti.

2. Se te pedissem para descrever a palavra "Arte" como a descrevias?

Posso defini-la de duas perspectivas: a pessoal, de quem a usa como refúgio e como meio de comunicação, que é obviamente positiva e que me obriga a insistir para que me torne melhor não só como criador mas também como pessoa; e a geral, a de um negócio elitista que por vezes chega ao ridículo, que está repleta de sanguessugas e de gajos que de um dia para o outro se tornam Picasso’s sem ninguém perceber nem como nem porquê.

3. Porquê o graffiti como forma de expressão artística?
Porque é a mais pura, a que não cede a elitismos, a que não envolve corrupção nem interesses, a que representa a voz de quem não a tem. O graffiti distingue-se de todas as outras expressões artísticas porque quebra barreiras e porque está presente na rua, disponível para tudo e todos, com mensagens sociais e reivindicativas na sua grande maioria. É a forma mais livre e mais bonita de se fazer Arte no meu ponto de vista, as obras ganham dimensões que não são vistas em outras áreas da pintura principalmente, é quase a única expressão existente que continua a explorar a caligrafia numa era em que ela só se faz através de um teclado de computador. É a forma mais pura de se fazer Arte porque quem a faz não está no estúdio com um copo de vinho, com o aquecedor ligado e a ouvir boa música. Está na rua, à chuva e ao frio por vezes, sujeito a tudo e mais alguma coisa para conseguir terminar uma obra sem por vezes ver reconhecido o seu mérito como deveria de acontecer.

4. Arte ou vandalismo?

Aceito que alguns exemplos do que se vê na rua possam ser considerados vandalismo mas acredito serem um mal menor comparativamente a toda a gravidade de situações que envolvem o nosso país. Vandalismo é o que acontece na política, nos tribunais, com os patrões das empresas, com as corrupções nos concursos públicos, nas manhas e esquemas de quem está nos diferentes poderes em Portugal. Agora, que existe um lado menos bom no graffiti, ou mais condenável, existe. As pessoas têm é de aprender a separar e a perceber que o outro lado pode pesar mais na balança. Para mim é sem dúvida alguma Arte, sem tirar nem por, mas é uma opinião pessoal e não seria sensato nem lógico se abordasse as coisas de uma forma extremista.

5. O Hip Hop influenciou-te a explorar as paredes?

Sem dúvida. Eu tive o primeiro contacto com o graffiti através de um videoclip por isso não seria writer se não gostasse de rap. Hoje não me identifico com muita coisa que envolve o Hip Hop, acho que seguiu por linhas nas quais não me revejo, e sou capaz de me sentir mais próximo dos b-boys por exemplo do que dos rappers, por muito que tenha mais conhecimento de música do que de breakdance.

6. O que achas do graffiti em portugal? Estará na moda?

Acho que já houve mais picos no que respeita a moda, inclusive há dois / três anos atrás. O graffiti está a evoluir no nosso País e acaba por ser normal que cative mais o interesse dos jovens e que os motive a pintar, mas é lógico que existem situações onde tens a nítida sensação que daqui a um ano essa fase já lhes passou. É assim em qualquer outra área, as pessoas comem o que lhes põe à frente e hoje há uma exploração do graffiti em muitos mercados o que origina esse mesmo interesse.

7. Que temas gostas mais de retratar nas paredes?

Não sigo propriamente uma linha temática, exploro os mais variados conceitos mas sempre com um toque social. Considero importante que a sociedade reaja e se manifeste perante a forma como o sistema a conduz, e a minha forma de ser parte activa nesse processo é através do meu trabalho.

8. Em que é que as tuas influências te ajudaram?

É difícil responder a essa questão porque pode soar a presunção, mas na realidade eu não tive influências directas. Comecei sozinho, com 15 anos, não tive propriamente ninguém que me ensinasse ou que me ajudasse no que quer que fosse. Acredito que as minhas influências são indirectas mas estudo e vejo tanta coisa que não sei exactamente onde as vou buscar. Acho que elas tanto estão presentes em diversos artistas de diferentes áreas – mesmo fora da área do graffiti – como estão presentes na minha rotina, nas situações do dia-a-dia ou nas pessoas com quem interajo.

9. Nunca pensas-te realizar um workshop para iniciantes/curiosos de graffiti?

Contam-se pelos dedos os workshops que fiz até hoje apesar de ter tido muitos convites. Não sou contra, mas também não sou a favor. Pode parecer uma questão simples mas para mim não funciona assim, por dois motivos principalmente: não acredito que o graffiti se ensine nem acredito que seja uma boa política, primeiro porque a grande maioria dos miúdos que dum dia para o outro se lembram que fazer graffiti é fixe não tem sequer noções de desenho, e é difícil encarares um workshop com profissionalismo se sabes à partida que o graffiti para eles vai fazer sentido durante apenas alguns meses; depois, porque aconselho sempre o auto-didatismo e o ganho de experiência na rua. Talvez por ter começado dessa forma...

... acho essencial e considero sinceramente que esse é o melhor caminho. É o caminho que vai testar se realmente querem ou não ser writers, é o caminho que lhes vai dar experiência e conhecimento, é o caminho que os vai fazer aprender e evoluir e acima de tudo facilita a construção de um estilo e técnicas próprias. Depois de alguns anos é isso que os torna diferentes da maioria.

10. Achas que o graffiti que se faz lá fora influência de alguma maneira os writers Portugueses?

Acho e acaba por ser natural, porque os artistas mais reconhecidos neste meio estão lá fora, e porque a Internet te leva a qualquer canto do planeta. Não condeno influências desde que não se tornem bytes como é lógico, acho que se pode e se deve beber informação de outros artistas, de outros trabalhos, de outras áreas inclusive desde que se saiba transformar isso em algo próprio e pessoal.

11. Tens empatia com mais alguma área artística?

Tenho com o design gráfico e a ilustração principalmente, de uma forma activa, e com a fotografia ainda que sem grandes conhecimentos. Há outras áreas que admiro e valorizo como a música, a arquitectura ou a dança – breakdance em específico - por exemplo.

12. O que dizes em relação às pessoas que ainda ligam o graffiti ao vandalismo?

Acho que já te dei umas nuances numa resposta anterior. Essas pessoas tem obrigatoriamente de saber separar as coisas porque há mesmo dois lados da coisa, e podem simplesmente não se cruzar. Eu não vou assumir que todos os Árabes são bombistas, porque para além de estar a ser injusto e preconceituoso, estaria a ser estúpido.

13. Achas que se o graffiti fosse completamente legal, seria uma vantagem ou não?

Seria uma desvantagem, aliás perderia todo o sentido. A essência do graffiti está na sua ilegalidade e é assim que deve permanecer, torná-lo legal iria fazer com que toda a gente usasse os muros das cidades como meio de comunicação e isso pioraria as coisas de uma forma medonha. Defendo que deve haver espaços legais como é lógico, equilibrando as coisas e promovendo o graffiti enquanto Arte, mas nem oito nem oitenta.

14. O graffiti está a tornar-se um produto com fins lucrativos?

Sem dúvida. Por um lado resulta da evolução que se vê nas ruas, da qualidade dos artistas, da vontade que existe por parte destes em provar que é uma expressão artística que tem obrigatoriamente de ser reconhecida e valorizada. E não vejo mal que se torne num produto com fins lucrativos, desde que sejam os artistas a lucrar, que o seu trabalho seja respeitado e que se mantenham activos na rua onde não existe lucro para que não se perca a essência e o lado mais bonito do graff. O grande problema é a grande confusão e a falta de conhecimento, são as marcas e as empresas que usam o graffiti de uma forma errada e sem olhar a meios para atingir os seus fins. Depois o que acontece é que vais ao Continente e vês mochilas impressas com aquelas fontes dreads sacadas da net, ou roupa numa montra de uma loja do shopping com letterings feitos por softwares, ou mesmo exposições e decorações de “graffiti” feitas por…designers gráficos. Isso então é ao pontapé.

15. Que projectos futuros tens?

Tenho alguns projectos nos quais estou a trabalhar, alguns a curto e outros a médio / longo prazo. Nada que possa ainda divulgar por razões óbvias mas aos quais me tenho dedicado e que espero que venham a dar frutos. O grande problema de se trabalhar por conta própria é ter tempo para o que realmente importa, que é a criação. Mas tem obrigatoriamente de ser assim, são muitas coisas ao mesmo tempo para duas mãos e uma cabeça apenas.

16. Para finalizar…Magfolio? Aprovado?

Aprovado, aliás já cá tinha dado uns saltos anteriormente. Aproveito para agradecer o teu interesse em divulgares o meu trabalho e desejar que o teu e o Magfolio em específico se mantenham sempre com força e ambição. Keep it real!

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