Diretor de
documentário fala da criatividade do rapper, que morreu no auge da
carreira, e hoje é considerado uma lenda no movimento Hip Hop.
Versatilidade fez Sabotage ser comparado a grandes nomes da música
nacional.
Na manhã do dia
24 de janeiro de 2003, uma das maiores vozes do rap nacional era calada.
Mauro Mateus dos Santos, o Sabotage, foi assassinado com quatro tiros
perto de casa no bairro da Saúde, Zona Sul de São Paulo. Neste dia, o
rapper iria cantar no Rio Grande do Sul. O “maestro do Canão” –
referência à favela em que morava – entrou para a história como músico e
ator. Considerado uma lenda no movimento Hip Hop, Sabotage começou a
carreira em 1988, quando se inscreveu em concursos de rap.
Num deles, no salão Zimbabwe, conheceu Mano Brown e Ice Blue, ambos do Racionais MC's, que se impressionaram com a performance de palco dele. Mas foi com o grupo RZO (Rapaziada Zona Oeste) que Sabotage viu seu trabalho repercutir no rap nacional. Na sequência, gravou o primeiro e único disco solo, intitulado "Rap é Compromisso", gravado pelo selo Cosa Nostra, o mesmo que lançou o disco "Sobrevivendo no Inferno", dos Racionais MC's. Além de rapper, Sabotage também atuou no cinema. Participou do filme “O Invasor”, de Beto Brant, e também de Estação Carandiru, de Drauzio Varella.
O rapper agora voltará à cena, no documentário “Sabotage, o Maestro do Canão”, que será lançado no 1º semestre do ano que vem. Além do circuito comercial, será exibido em mostras itinerantes nas periferias. Dirigido por Ivan Vale Ferreira, da 13 Produções, o longa metragem traz depoimentos de diversos músicos e pessoas ligadas a ele, demonstrando a importância desse artista que misturou estilos e se tornou uma lenda após sua morte. Em entrevista à Radioagência NP, o diretor do documentário fala da trajetória do rapper e da falta que ele faz hoje no cenário musical.
Radioagência NP: Como surgiu a ideia de fazer o documentário sobre a vida do Sabotage?
Ivan Vale Ferreira: Inicialmente esse projeto começou em 2002. Ele é fruto de outro projeto que eu já realizei, que é um documentário que se chama “Favela no ar”. Nesse documentário chegaram dois gringos aqui no Brasil, e eles fazem um trabalho bem legal de viajar o mundo pegando cultura underground dos lugares. Na pauta deles estava o Brasil. Eles vieram pra cá e, em São Paulo, precisavam de alguém para ajuda-los na produção. Na época indicaram meu sócio, o Tiago Bambine, que me chamou para fazer o projeto com ele. A gente foi produzir entrevistas com alguns artistas do cenário mais underground do rap naquela época.
A gente entrevistou o RZO, o 509-E, o Kl Jay, o Xis, entrevistamos uma galera e o Sabotage também pra fazer esse trampo. O início foi em junho, época da Copa do Mundo. Aí passou seis meses e o Sabotage foi assassinado, isso em janeiro de 2003. Esse material todo que a gente tinha filmado, estava lá com os gringos, eles iam ver o que iam fazer ainda. Mas ia demorar o processo. Aí eu liguei pros caras e disse “bicho, o Sabota morreu, eu queria que vocês mandassem o material da entrevista que a gente fez com ele, porque eu tô querendo fazer um trampo aqui em homenagem a ele”.
Radioagência NP: Qual foi o resultado?
IVF: Aí surgiu o primeiro documentário que se chama “Sabotage”, que na verdade é uma entrevista que a gente fez com ele. Nesse documentário ele fala sobre diversos assuntos. Já passou na MTV e em vários festivais. De 2003 pra cá, sempre que eu tenho um tempo livre, eu vou entrevistar algumas pessoas que tem a ver com a história do Sabotage, porque na época eu decidi fazer outro filme sobre ele, mas com as pessoas falando sobre ele. Desde então eu venho fazendo isso. Venho filmando uma galera e comecei a sentir que isso tinha um potencial muito grande. Quanto mais os anos se passavam, mais falta o Sabota ia fazendo e mais história eu ia descobrindo dele.
Radioagência NP: Qual o objetivo principal do documentário? O que você pretende apresentar ao público com ele?
IVF: A ideia do filme, na verdade, é resgatar realmente histórias sobre ele, pois teve um tempo curto de sucesso. Não deu tempo exatamente para as pessoas saberem quem ele era, as dificuldades que ele passou em vida, as escolhas que ele fez, tanto as certas como as erradas. A gente não quer romantizar a coisa sabe. Não to querendo fazer um filme pra sentir saudades do cara. Eu quero fazer um filme para as pessoas entenderem a importância dele.
Tanto é que a gente entrevistou Héctor Babenco, Beto Brant, Paulo Miklos, são pessoas que participaram desse momento em que ele chegou no cinema nacional. Uma coisa que é difícil e não é comum. Um músico, principalmente do Hip Hop, ter essa atenção que ele teve. Não que ele tenha sido um ator de Oscar, mas ele deixou uma sementinha ali, que todo mundo reconhece. Por outro lado, é a questão da família, que passa necessidade até hoje. Ele tinha condições de com a música dar uma vida melhor pra família dele. Ele estava chegando nesse nível, mas não conseguiu por conta do tempo.
Radioagência NP: Você teve contato com ele seis meses antes de sua morte. Como que foi esse encontro e como que ele era?
IVF: Ele se mostrou super feliz em participar. Ele queria falar. A gente fazia uma pergunta pra ele e ele respondia dez. Recebeu a gente bem e ao mesmo tempo parecia que ele estava querendo usar aquilo a seu favor, tipo uma oportunidade que ele tinha pra dizer o que pensava. Era um cara muito comunicativo. Ele tinha esse poder de sorrir. Muita gente do rap foge disso. Ele era um cara que olhava pra você, e não só te cumprimentava assim de longe, mas te abraçava. Isso já quebra um monte de barreiras desse afrouxo inicial que tem com o entrevistado.
Radioagência NP: Que falta que faz o Sabotage hoje para o rap nacional?
IVF: O rap perdeu, pra mim, o seu principal ícone. Tem o Mano Brown que é um puta ícone, não tem como negar, mas o Sabota para o rap era a referência. Eu acompanho muito as batalhas de MC´s nos saraus que a gente faz. É incrível como todo mundo cita ele. A molecada nova, qualquer rima que faz emenda que “o rap é compromisso, não é viagem”, “um bom lugar”. Mas além do rap, a música brasileira perdeu muito. Pra mim é como se ele fosse Cássia Eller, Chico Science, pessoas que morreram no auge da carreira, no auge do processo criativo e que tinham muito para doar para a história da música brasileira. Ele tinha um perfil parecido de conceito musical, de ser aberto e amplo. O rap perdeu muito, mas acho que ele hoje teria uma importância fora do rap muito grande. Essa talvez seja a maior falta que ele faz, em ter pensado muito em fazer coisas diferentes e não ter tido tempo suficiente para realizar.
Por José Francisco Neto para a Radioagência NP (São Paulo)
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