quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Os Prós e os Contras da Música Funk




A exposição do Funk e da Mulher

O movimento funk tem raízes histórias e conteúdo social, mas transformou-se em atração comercial de gravadoras e televisões, que exploram e vulgarizam a imagem da mulher A recente polêmica em torno da música funk reacendeu as atenções da sociedade e do movimento feminista para a imagem da mulher, a repercussão sobre a sua vida cotidiana e, para ser mais concreta, a erotização precoce das crianças. Várias opiniões e dúvidas se expressaram nas diversas formas de comunicação, até mesmo os cientistas sociais se dividem e por vezes trocam acusações de preconceito contra as camadas mais populares, nas quais o funk criou raízes.


O antropólogo Hermano Vianna foi o primeiro a estudar e publicar opinião sobre o assunto com o seu livro “O mundo funk carioca”, já sensibilizado com as grandes festas do subúrbio carioca e com o conteúdo das suas manifestações. Em matéria do caderno “Idéias” do Jornal do Brasil, a antropóloga Alba Zaluar diz: “O funk provoca uma separação brutal entre os sexos e acentua a hipertrofia da sexualidade como forma de afirmação masculina”. Já Micael Herschmann, professor de comunicação, historiador e pesquisador do tema opina: “O funk já teve outros momentos de evidência, assim como o axé e o sertanejo, faz parte de uma dinâmica cultural que tem articulação com o mercado. Antes mostravam mais os raps das comunidades, hoje dão destaque ao humor com dimensão erótica”, realçando aí o enfoque da mídia.


Como tudo começou


Com suas origens na década de 30, no sul dos Estados Unidos, a partir da música negra, o funk sofreu influências do rhythm and blues, do gospel e do soul de crescente conteúdo reivindicatório. Já na década de 60, com ritmo marcante e forte, surge com jeito próprio e novas técnicas de mixagem, e seus representantes vão conformando expressões como o rapper (repentista) e o MC (mestre de cerimônias), que misturam canto e fala nos bailes realizados em locais públicos e denunciam os problemas dos negros nos guetos de Nova Iorque.


Surgem as músicas rap, o estilo hip hop e a dança break. No Brasil, nos anos 70 e 80, iniciam-se os bailes de breve passagem pela zona sul e com instalação rápida e mobilizadora nos bairros do subúrbio e zona oeste, com participação de milhares de jovens e com produção musical expressiva da realidade de exclusão, como a música “eu só quero é ser feliz” de Claudinho/Doca, da Cidade de Deus.
Como destaca o relatório da CPI do Funk, da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, instalada para averiguar denúncias de violência, esses bailes passaram a representar quase que a única forma de lazer dessa juventude carente e ainda diz

“As ações do poder público, em geral, resumiram-se à repressão e ao cerceamento de manifestação cultural deste segmento da juventude e da sociedade. Como, por exemplo, nos anos 70, quando diversos promotores de baile adeptos do movimento black-rio foram obrigados a prestar depoimentos aos órgãos oficiais de repressão, em virtude do caráter das mensagens difundidas nos bailes. Temas como liberdade, orgulho da raça negra, igualdade de oportunidades para todas as raças …”.


Violência


A violência não pode ser analisada fora do contexto da vida desses jovens que, em favelas ou bairros carentes, convivem com a violência do tráfico, da polícia e de casa. Dados recentes do Índice de Desenvolvimento Humano da Organização das Nações Unidas e de pesquisas da Secretaria de Segurança do Rio mostram que hoje a maior causa de mortes entre pessoas de 15 a 24 anos é a arma de fogo. Mas, apesar disso, dizem os estudiosos e freqüentadores, a violência não é a marca predominante das festas.


Modestamente, após a observação atenta de diversas opiniões e a participação em debates, quero concordar com a legitimidade do funk como movimento cultural e que tem na sua história a expressão maior da exclusão. Por isso, sim, vítima de preconceito e desprezo do poder público. No entanto, não podemos retirar de uma análise mais abrangente o papel devastador da lógica de mercado, dos interesses da mídia e da indústria fonográfica, para explicar as distorções mais recentes. Aí é onde devemos concentrar nossas preocupações.


O sambista Nei Lopes, segundo matéria publicada no “JB” em março de 2001, considera que a comparação com a repressão sofrida pelo samba vale para o período em que o funk estava restrito ao gueto e expressava a insatisfação das populações excluídas, gerando o preconceito das classes dominantes. “Agora os funkeiros são brancos e chegam aos bailes em carro importado. E como virou modismo de opinião, as gravadoras vão explorar até o bagaço”. Mesmo que não façamos a mesma generalização, este sentimento é gerado pela flagrante expansão do funk para a classe média da zona sul carioca. Como se deu essa expansão quando a realidade social é outra? Que tipo de artifícios foi utilizado? Que concessões foram feitas?


A vulgaridade das letras


O funk cresce e se espalha utilizando uma face desfigurada e abjeta, mercantil, comercial, vulgarmente erotizada, de massificação de valores relativos às mulheres que negam e renegam uma história difícil e corajosa de lutas e conquistas. A promiscuidade passa a ser sinônimo de modernidade, as mulheres como brindes ou na dança das cadeiras aparentemente irreverentes. Soa natural, como deve soar a violência contra elas, afinal, “um tapinha não dói”. A feminilidade, a sensualidade, a beleza corporal ficam como que nas prateleiras e restritas a bundas e peitos siliconados, anunciados em termos pejorativos. As adolescentes são chamadas à vida como “tchutchucas”, outras como “popozudas”. As que namoram todos são as “cachorras” e ainda têm as “preparadas e purpurinadas”, se é que não me esqueci de mais algum “adjetivo”. As letras são reveladoras e aqui as divulgo em parte:


A música do chamado Bonde do Tigrão – A máquina do sexo, diz: “Máquina do sexo, eu transo igual a animal / A Chatuba da Mesquita do bonde do sexo anal / Chatuba come cu, depois come xereca / Ranca cabaço, é o bonde dos careca …”
Na música Barraco III: “Me chama de cachorra que eu faço au-au/ Me chama de gatinha que eu faço miau / Goza na cara, goza na boca, goza onde quiser…” e ainda na música Jonathan II, gravada por um menino de sete anos!: “De segunda a sexta, esporro na escola / Sábado e domingo, eu solto pipa e jogo bola / Mas já estou crescendo com muita emoção, eu já vou pegar um filé com popozão …” Ai que saudade do Sítio do Pica-pau Amarelo…

É bem verdade que isso não ocorre apenas com o funk, temos os exemplos da Feiticeira, Tiazinha, É o Tchan e a Boquinha da Garrafa. Este último, o criador de um exército de repetidores da dança “sensualizada” entre os adolescentes.


Preconceito contra o Funk


“O funk vira inimigo número um da sociedade quando se torna moda”. É o que acredita o pesquisador Micael Herschmann, autor do livro O funk e o Hip-Hop Invadem a Cena. “Existem ciclos do mundo funk e, de tempos em tempos, a mídia e as gravadoras dão atenção ao funk”, diz o pesquisador, professor da Escola de Comunicação da UFRJ. Ao se transformar em modismo, os setores conservadores da sociedade se apavoram e reagem, acredita Mikael. “No momento em que o funk ganha a cena e é demonizado pela mídia, os jovens aparecem como os grandes inimigos da sociedade”, diz.


Herschmann não acredita que as letras de música que citam a violência possam influenciar nas atitudes dos jovens que as escutam. “As músicas espelham uma realidade muito dura – deve-se ver não como apologia ao crime, mas como uma crítica social que mostra o quanto é dificil para estas pessoas aderirem ao mercado de trabalho”, ressalta o historiador. “É um processo de identificacão: não quer dizer que quem canta ou ouve funk é um criminoso ou um assaltante em potencial”, completa.


“A classe média tomou o funk como um porta-voz do tráfico, na década de 90, quando deveria usá-lo como um canal para chegar aos segmentos sociais mais pobres e passar uma mensagem pedagógica”, alerta. A atenção da classe média ao ritmo, no entanto, é passageira: “Este ciclo do funk vai passar mas vai continuar nas comunidades como expressão cultural – vai ser esquecido pela mídia e depois volta, com outra roupagem”.


A erotização do funk também não é novidade ou motivo de alarde, segundo o historiador. De acordo com Herschmann, que pesquisou os bailes funk de 1992 a 98, as músicas eróticas já existiam naquela época e eram uma das vertentes do funk, ao lado da música que mostrava a realidade das favelas, do funk mellody (que fala de amor) e das músicas de humor. “A mídia escolheu uma das vertentes agora, a de erotização, como escolheu, no passado, o de retrato social para ligar o funk à violência”, explica o pesquisador. O Funk tem várias vertentes assim como os outros estilos, não é apenas "sexo, tráfico e violência"

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