terça-feira, 29 de setembro de 2009

Negro em Foco - Revista Raça Brasil - 13 anos!



Mais um aniversário!
Parabéns à Raça Brasil! Com muita história para contar, apesar dos jovens 13 anos, a revista conduz e registra conquistas e transformações da sociedade negra brasileira, sem perder nenhum detalhe

por oswaldo faustino

Imagine esta cena, no metrô paulistano: uma senhora negra, de cabelos trançados, sentada num banco do fundo do vagão, lê muito atenta uma revista, em cuja capa se vê Isabel Filardis e João Gomes. Uma jovem, com cabelo black power, entra no vagão e fica em pé, altiva, segurando firme a mesma revista em frente ao peito. Na outra ponta, um mestiço claro, de dread look, não disfarça a satisfação de exibir o exemplar que traz à mão. Isto não é ficção. Aconteceu, em setembro de 1996, no dia seguinte ao lançamento de RAÇA BRASIL, cuja tiragem de 280 mil exemplares se esgotou em pouco tempo. Um fenômeno editorial.

"O padrão de beleza no Brasil antes da revista era importado , não existia espaço na mídia para os negros "
Zezé Motta, em entrevista na edição 126

Engana-se, porém, quem pensa que a revista foi a primeira publicação brasileira com a temática afro. Desde os jornais abolicionistas, do século 19, aos publicados no início do século passado por históricos militantes de nossas comunidades, é impressionante a quantidade de veículos de comunicação da chamada "imprensa negra", que se desenvolveu Brasil afora. Mas o fenômeno ocorrido em setembro de 1996 mudou o foco da história de nossas publicações.

Seu lançamento foi pautado numa pesquisa realizada pela agência Grottera (hoje TBWA) que apontava uma significativa e crescente classe média negra brasileira, com alto poder de consumo, ignorado tanto pelos fabricantes de produtos quanto pelas agências de publicidade. Por outro lado, verificavam-se na maioria da população negra, além das dificuldades econômicas e da má qualidade de vida, muito preconceito e discriminação, baixa autoestima, carência de identidade e referências, ausência de boas oportunidades profissionais, entre outros fatos.

Com o slogan "Revista do negro brasileiro", em seus primeiros anos a revista objetivava tornar-se uma grande vitrine para estimular a elevação da autoestima dessa maioria invisível. Em pouco tempo, se constatava que ela tinha se tornado a segunda revista, no País, compartilhada por mais pessoas, com 16 leitores por exemplar, só suplantada pela semanal Veja.

Mudanças , para melhor!

Mesmo longe de se tornar a democracia racial apregoada por Gilberto Freyre, em sua obra maior, Casa-Grande & Senzala, na década de 1930, hoje, muitos negros têm superado os obstáculos que os impediam de conquistar status, antes exclusivos de brancos das "famílias tradicionais".

É óbvio que as crises atingem a todos e sabemos que, nessas horas, a população afro-brasileira é a primeira a ser alijada de suas conquistas. Mas a chamada "classe média negra", já ultrapassa os 15% da população, segundo pesquisa do IBGE. Desde a última década do século 20, o número de chefes de família negros que ganham mais de cinco salários mínimos praticamente dobrou.

Já nos primeiros anos deste século, falava-se que a parcela dos 20% de brasileiros mais ricos era formada por 80% de brancos, mas que os negros já quase atingiam 19%. E, apesar da luta constante dos sempre privilegiados e de vários meios de comunicação apregoando contra as ações afirmativas e, em especial, contra as cotas em universidades, o número de estudantes negros que chegam aos cursos superiores dobrou em relação às três últimas décadas do século passado.


Críticas e conquistas

Quanto à RAÇA BRASIL, nestes 13 anos de existência, muitas expectativas foram criadas. Algumas satisfeitas, outras frustradas. Um número grande de leitores fiéis se formou, ao mesmo tempo em que se acumularam críticas tanto fora quanto dentro da comunidade negra. No início, houve até processos na Justiça de pessoas e entidades que viram a revista como um produto racista.

Por outro lado, não era pequeno o grupo de militantes do movimento negro que a criticava por não tratar com mais veemência e até com certa agressividade temas como racismo, discriminação e preconceito. Professor de Jornalismo da Escola de Comunicação e Artes, da Universidade de São Paulo (ECA/USP), Dennis de Oliveira afirma que o surgimento da revista foi uma vitória da luta da população negra por visibilidade. "Durante muito tempo, o movimento social de negros lutou para desmascarar o mito da democracia racial e, fundamentalmente, para acabar com a segregação invisível, que reservava aos negros apenas os lugares subalternos e os espaços lúdicos".

Indagado sobre o papel que a revista tem cumprido na história negra brasileira contemporânea, o professor explica que ela marca o reconhecimento no mercado editorial da existência da população negra no Brasil, após muita luta, e constata uma mudança de comportamento do mercado, estimulada pela pesquisa do Instituto Grottera.

"A pesquisa mostrou existir um potencial consumidor de negros e o crescimento da luta do povo negro que fez surgir no cenário público várias lideranças, que afirmavam sua identidade negra. Isto forçou o mercado editorial a flexibilizar esta posição", diz Dennis de Oliveira, que acompanhou a revista ao longo desses 13 anos, período em que constata uma evolução social e política do povo afro-brasileiro.

Para ele, a revista é um produto disso. "Eu não diria que ela é a protagonista, quem construiu isto foi a própria luta da população negra. E hoje já se discutem no cenário político medidas de combate ao racismo e este debate chegou até às telenovelas.

Assim, deixou de ser uma discussão de um pequeno grupo de militantes. Boa parte da população negra enxerga a necessidade de lutar contra o racismo sistêmico e a busca da autoestima está inserida nesta agenda. Daí a revista ter superado esta dicotomia, no meu entender falsa, entre autoestima e militância", conclui

Modelos e publicidade

A beleza e a autoestima da raça negra estiveram em nossas páginas desde o início e, de certa forma, era isso que se esperava dela. Para Aroldo Macedo, ex- modelo que preparava negros e negras para o mercado, o mínimo que se esperava era que a RAÇA influenciasse nesse setor e também no meio publicitário para o qual os afro-brasileiros não eram considerados consumidores.

Juliana Monteiro, da Elite, confirma isso. "Essa mudança realmente ocorreu. Temos aproximadamente 15 modelos negros em nosso casting. Não se trata de uma cota. Houve um crescimento no número de clientes que solicitam esses modelos e manequins e o mercado ainda tem muito a crescer", afirma. Uma aposta certa foi a do empresário Helder Dias, dono da HDA Models que, há nove anos, transita com sucesso no mercado publicitário e da moda, apostando exclusivamente em profissionais negros. Hoje, seu reconhecimento é em nível internacional e, segundo afirmou, a revista contribuiu muito para isso.

"Boa parte da população negra enxerga a necessidade de lutar contra o racismo sistêmico e a busca dA autoestima está inserida nesta agenda "
Dennis de Oliveira, professor de jornalismo da ECA/USP

"A RAÇA teve a miss ão de não só di zer que o negro é lindo, mas que é livre para fa zer o que bem entender de si"
Milton Gonçalves, ator e capa da edição 126

O poder do negro

O ator Milton Gonçalves não é tão otimista quanto aos que trabalham no mercado de moda. "Continuo tendo a sensação de que a gente tem uma praga ou maldição, pois não damos um passo à frente.

Por mais que façamos, temos de estar sempre pedindo licença. Continuo afirmando que somos a metade da população e agimos como se fossemos apenas 1%". Estrela da nossa capa de setembro de 2008 ("Eu Sou um Brasileiro Negro", edição 126) e militante dos bons, ele afirma que a revista teve a missão de não só dizer que "negro é lindo", mas de que é livre para fazer o que bem entender de si próprio.

"Até fritar o cabelo, se quiser, ou frisá-lo, usar dread look ou raspar a cabeça. Mais que uma estética, privilegiou a liberdade. E a gente tem de exigir o melhor para nós mesmos, a elegância, juntar a beleza interior com a exterior", comenta. O ator, um dos mais influentes do Brasil, faz questão de mostrar a importância do negro na sociedade brasileira, com cerca de 90 milhões de afrodescendentes.

Seu sonho é um reavivamento do sentido de clã. "Se 10 milhões de negras resolvessem, por exemplo, sabotar a compra de um sabão que elas consomem, mas cuja publicidade não utiliza negros, ou escrevessem à direção das empresas, editoras e agências por se sentirem ausentes nas publicações, em espetáculo, no carnaval, enfim, em tudo o que é realizado, a história seria diferente. Por que comprar o produto que nos rejeita? Por que assistir a um espetáculo que nos trata como inferiores?", finaliza

Longa caminhada

Claro que ainda há muito a se fazer para uma maior valorização da raça negra, principalmente mudar as cabeças viciadas pelos preconceitos e racismo à brasileira que resultam em atitudes discriminatórias em vários aspectos. O advogado Hédio Silva, que foi secretário de Estado da Justiça, em São Paulo, comenta que geralmente causa estranheza um negro ocupar um cargo dessa envergadura num governo.

Quando ele chegava a algum evento ou órgão público e não era conhecido, pessoas se dirigiam a seu motorista dizendo: "Seja bemvindo, secretário!". Simplesmente porque o motorista era branco. Estamos festejando a chegada da revista RAÇA à adolescência, mas recomendamos aos mais otimistas que guardem os fogos para alguma ocasião futura mais propícia. Afinal, para os afro-brasileiros, o País pode ter melhorado nestes 13 anos, "pero no mucho". Mas a gente jamais vai desistir

Da esquerda para a direita: o vocalista Anderson Sá (AfroReggae), a atriz Léa Garcia, a leitora Maria Paula e o cantor Wilson Simoninha. Gente bonita, de sucesso e de talento nas páginas da revista


por oswaldo faustino
Nos anos 2000, os sinais de LIBERDADE (e a necessidade de se avançar mais alguns passos)

2001 Lei de cotas no Rio de Janeiro estabelece que 40% das vagas devem ser destinadas a negros nas universidades públicas

2002 O "gueto" invade a TV: Netinho de Paula lança o primeiro seriado negro brasileiro, na Rede Record

2003 Ministérios negros: com a vitória de Lula, diversos ministros negros surgem. Com destaque para a consolidação do Ministério da Igualdade Racial e para a presença de Gilberto Gil na pasta da Cultura

2004 Taís Araújo surge como a primeira protagonista negra de uma novela da Globo: "Um degrau importante para o fim do preconceito

2005 Relator da ONUNU, Doudou Diène, diz que preconceito aumentou (inclusive no Brasil). Negros eram 40% da população brasileira e hoje já somam mais da metade do contingente nacional

2006/2007 Raça Brasil reafirma seu papel militante, sem deixar de enaltecer a auto-estima dos afrodescendentes

2008 Edição histórica: eleições presidenciais americanas e a vitória de Barack Obama

By Revista raça Brasil

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