terça-feira, 17 de maio de 2011

MATERIA - Afrobeat, um caldeirão de ritmos



Quando música e política se unem, fatalmente um de seus destinos é a inovação. O reggae jamaicano, o punk inglês e o hip-hop americano são alguns exemplos encontrados no século passado. A África, mais precisamente a Nigéria, também é cúmplice dessa afirmação. Capitaneado pelo multi-instrumentista Fela Kuti, o Afrobeat combinou protesto e uma mistura de ritmos que até hoje influencia muitos artista

Junção de jazz, funk, highlife - estilo musical que dominou o oeste da África - e ritmos africanos tradicionais, o afrobeat traz ingredientes que foram misturados à medida que o músico nigeriano Fela Kuti (1938 - 1997) cultivava novas experiências musicais. Era a virada dos anos 60 para os 70, e esse "caldeirão de ritmos" chegou a arrancar elogios efusivos do próprio James Brown. Nascido no estado de Ogun, numa família de classe média, Olufela Olusegun Oludotun Ransome-Kuti foi educado com hábitos ocidentais pelo pai, o pastor anglicano Israel Oludotun, que também era diretor de escola. A rebeldia herdou da mãe, Funmilayo, famosa ativista feminista. Aos 20 anos, partiu para Londres p ara estudar medicina, como seus irmãos Beko e Olikoye, porém era a música e suas vertentes rítmicas que faziam, de fato, a sua cabeça. Na capit al inglesa, Fela Cuti se casou com Remi Taylor, com quem teve três filhos, e em 1961 formou a banda Koola Lobitos, que tocava highlife, rock psicodélico e jazz. Diplomado em música, com especialização em saxofone (instrumento de sua preferência), Fela voltou para a Nigéria em 1963, onde gravou alguns discos sem muita repercussão. Na verdade, o inquieto jovem queria algo diferente, novo, um caminho musical autêntico. E foi em Acra, capital de Gana, que tudo começou a fazer sentido para ele, durante um show de Gerald Pino, músico nascido em Serra Leoa, radicado na Nigéria, que o deixou de queixo caído. Pino já destilava as influências do soul e do funk norteamericanos. Era aquilo!
Nos Estados Unidos, em 1969, Fela Kuti fez alguns shows com o Koola Lobitos, mergulhou no funk, nas músicas de James Brown, e passou a ter contato com o Movimento Black Power. Pronto! As ideias dos Panteras Negras começam a influenciar fortemente as letras de suas canções. Com a consciência política, a crítica aos governos (ver Fela, presidente!), a reivindicação se unindo à mistura de ritmos, a alquimia aconteceu. Uma cobinação pra lá de explosiva! Sem visto de trabalho, porém, ele e a banda foram obrigados a deixar o solo americano, não sem antes realizar uma sessão de gravação em Los Angeles que, mais tarde se tornaria o álbum The '69 Los Angeles Sessions. Outra vez na Nigéria, Fela rebatizou a banda de Nigéria'70 e, depois, Afrika'70. Com letras baseadas nas mensagens do líder Malcolm X, começavam a ecoar os primeiros acordes de um capítulo importante da história da música africana e mundial!


UMA REPÚBLICA INDEPENDENTE
No início dos anos 70, porém, Fela Kuti não se destacou no cenário internacional apenas por ter criado esse caldeirão de ritmos chamado afrobeat. Ele também cumpriu importante papel político na Nigéria e em toda a África, protestando contra os regimes autoritários em seu país e no continente. O discurso de contestação o levou, em 1974, a transformar sua casa em uma comuna que denominou de República Kalakuta, independente da ditadura nigeriana, onde vivia com outros músicos e suas 27 esposas, muitas delas, dançarinas e vocalistas de seu grupo. Kalakuta tornou-se uma trincheira de resistência política e cultural, onde as mulheres atuavam ativamente, inclusive, na defesa do local contra os ataques do exército nigeriano.
O grande sucesso, em 1977, da música Zombie, denunciando os desmandos e ridicularizando o exército, despertou a fúria incontrolável do, então, presidente Olusegun Obasanjo. Entre as incontáveis invasões das forças armadas à comuna, espancamentos, prisões e outros atos de violência, um episódio marcou profundamente a vida do artista, quando cerca de mil militares atacaram o local, destruíram instrumentos e gravações raras, incendiaram a casa e o estúdio. Sua mãe, já idosa, foi arremessada pela janela da casa e morreu. Como reação, Fela enviou o caixão da mãe ao quartel-general, em Lagos, com as gravações das canções Coffin for Head of State (Caixão de Chefe de Estado) e Unknown Soldier (Soldado Desconhecido), uma ironia à declaração oficial de que a violenta agressão partiu de um soldado não identificado.



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