quinta-feira, 30 de julho de 2009

Mc Kapa, o rapper formador de consciências




“O hip hop tem a composição de uma substância no estado líquido e ganha o formato do recipiente onde é colocado.” A metáfora é de Mc Kapa ou Mc Katrogipolongopongo, que acredita na música como um instrumento de luta e insiste na identidade do rap angolano que deve clicar “a sua fotografia da voz”, “com as questões de cá e a matriz da música angolana”. Já que o sangue dos N’gola Ritmos corre nas suas veias, vai buscar inspirações africanas, como Manu Dibango, Salif Keita, Youssou Ndour, Filipe Mukenga, Paulo Flores, Bonga, Fela Kuti e algum reggae. Descansa os mais velhos numa das letras: “Fica calmo tio, não sou nenhum vazio, a arte é como um rio”.

Nasceu no Maculusso, Luanda 1981, pai do Kwanza Sul e mãe de Malange que o educou com valores espirituais em desajuste de Luanda, onde “se vive um drama muito material”, conta. “Luanda tornou-se um laboratório de sobrevivência. Na procura de melhores condições, o modo de vida é muito agressivo. As pessoas saem de casa para caçar dinheiro, unicamente para levar pão de volta, o que é uma luta incrível.” A simplicidade e humildade de Mc Kapa bebem da sabedoria socrática, que lhe lembra para fazer mais e mais perguntas, firme contra a cultura da aparência da cidade onde vive. Ele é “pausado” e valoriza a tradição africana da oralidade como veículo de fazer ver, reflectir e crescer. Estuda filosofia e descobriu “no rap a oportunidade de praticar um exercício intelectual de informação e formação de consciência. É um instrumento de partilha da minha formação com outras pessoas. Faço exercício da minha cidadania através da música.” E entende-a como ninguém, a palavra-cidade e os seus contrastes.

A pequena tiragem do primeiro álbum Trincheira de Ideias (ou Petróleo Bruto para os piratas) foi suficiente para que as suas letras se espalhassem nos candongueiros de Luanda e nas províncias. Era coisa nova, assuntos e abordagens que não se ouvia com sotaque angolano, uma coragem que vinha agitar as águas. Em 1992, o primeiro contacto artístico com o hip hop fora através do break dance, que fazia furor nas arcadas de Luanda. “Comecei com um grupo que se chamava Negro Positivo, já tínhamos preocupação social, dizer não ao crime e à violência. Conhecia o rap da onda americana até chegarem as influências de expressão portuguesa do Brasil com o Gabriel o Pensador. Daí foi uma paixão até hoje.” Em 2003, "Cherokee", de 27 anos, foi morto por cantar "A téknica, as kausas e as konsekuências", um dos seus temas, tornando-se um símbolo de resistência em Angola. E sobretudo Mc Kapa ganha valor simbólico com o seu Katroismo. Em 2006 o álbum Nutrição Espiritual, já com 6 mil discos, faz com que viaje pelas províncias de Angola levando mensagens rimadas de política.

Pretendendo usar a sua influência para trazer outros valores, ciente das dificuldades de produção e divulgação em Angola, criou, com outros “brothers”, a produtora Masta K Produsons para que “esse tímido movimento vá crescendo e ganhe espaço, para mostrar que existe o outro lado da moeda, pessoas com consciência social”. Produzem discos, lançaram, entre outros, o Phai Grande, divulgam rappers em português como Valete, Sam the Kid, o brasileiro My Bill e o guineense Rhyman.

Mc Kapa rima a vida no musseque, universal para todos os guetos do mundo. Em “Atrás do Prejuízo”, música que passa na Televisão Pública de Angola mas é vedada nas principais antenas de rádio, fala da luta diária pela sobrevivência. “Eu vou sorrir pra não chorar / é mais um dia na minha vida / vou cantar p’ra não lembrar as malambas desta vida”, o refrão com Beto de Almeida e extractos de Salif Keita é a lúcida constatação da resignação e impotência de milhares de angolanos. Em “O Silêncio também Fala” apela “angolano acorda, chora agora ri depois”, ilustra o cenário sinistro fosso do quotidiano entre os extremos da sociedade angolana, lembrando que a democracia não cai do céu, exige luta e convicção, com exemplos de Mandela e N’Krumah à cabeça. “Bro, levanta a Voz!”

Kapa quer o melhor para o seu país, a declaração de amor a Angola, linda fêmea que atiça paixões fatais com a sua “carapinha de Maiombe / vistas que brilham mais do que os diamantes da Lunda”, de sentimento “mais fundo que o Tundavala e superior ao Moco”, cantada na música “Algo a Dizer” que acaba com um ultimato: “Conheci-te em 1981 e continuo o mesmo garoto, disposto a morrer por ti.”

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