Diz-se que no meio artístico o sucesso é éfemero. A ascensão para o topo é íngreme e difícil. Mas uma vez lá chegado a queda é abrupta. “Quanto mais alto se sobe, maior é a queda”, diz a sabedoria popular. O meio musical está repleto destes casos. Michael Jackson, Whitney Houston, recentemente Amy Winehouse. A maioria dos artistas dá-se mal com o sucesso. Envelhece mal. Quando obtém um êxito fulgurante jamais consegue voltar às luzes da ribalta
AS ORIGENS DO NOME
Não foi esse o caso de Emanuel de Carvalho, mais conhecido como Big Nelo. O nome artístico deve-se ao facto da família sempre o ter tratado pelo diminutivo “Nelo”. O “Big” provém da altura (tem um metro e noventa) mas, sobretudo, do grande sucesso alcançado como cantor. O nome é justificado. Podemos dizer, sem exagero, que Big Nelo revolucionou a música angolana, em 1992, com a criação dos SSP, o primeiro grupo de rap do país.
Hoje, 17 anos depois, Big Nelo continua mais popular do que nunca. O seu último álbum Karga foi lançado dia 31 de Maio. Mas ainda antes de estar à venda já era um sucesso anunciado. Tudo por causa da faixa “Karga”, apresentada em Julho de 2008, que funcionou como um “aperitivo” do álbum. A música rapidamente “circulou” de boca-em- -boca, tornando-se um “hino nacional”. Big conseguiu um grande feito: voltou ao topo. O próprio não esconde o orgulho. “Consegui ter um passado e um presente. Espero ainda ter um futuro”.
O PECADO NACIONAL
Confessa que o “efeito Karga” o surpreendeu. Até porque é uma música auto-biográfica. “Uma espécie de desabafo”, tal como define o autor. A música critica os pecados da inveja e do “mal-dizer”. “Na sociedade angolana ainda existe muita inveja. No mundo artístico isso ainda é pior. Muitos diziam que o Big Nelo acabou. Ninguém esperava que eu regressasse. No período em que estive fora dos palcos deixei de ser convidado para festas, percebi que tinha alguns falsos amigos. A inveja e a intriga ainda é muito forte no meio musical”, diz.
A música de Big Nelo foi uma espécie de grito de revolta. As pessoas compreenderam a mensagem. “Em regra sou eu que escrevo as letras. Creio que a música foi lançada no momento certo. As pessoas estão cansadas de guerras. O momento é de reconstrução, de mudança. Temos de acabar com o mau hábito de dizer mal dos outros. Ainda assim confesso que não esperava que se tornasse uma febre nacional. Houve um dia que um pai me ligou dizendo que o filho, com apenas dois anos, já dizia carga. Fiquei emocionado”, recorda.
A própria palavra “Karga” foi uma escolha feliz. “Comecei a actuar aos 16 anos. Vivi tudo muito rápido. Como líder dos SSP tinha muitas reponsabilidades. Afinal foi a primeira banda de rap angolano. Foi todo esse peso que me fez pensar na palavra “carga”. Face à sua popularidade decidi manter o título no álbum”, justifica. O CD tem 14 faixas onde predominam os estilos r&b, rap e soul. Foi produzido na AQ Producões e Eventos e na Kriativa e foi masterizado na África do Sul. Tem uma tiragem de 15 mil cópias, o preço de mil kwanzas e conta com as participações de músicos como Jeff Brown, Totó e Os Vaga Bandas. Questionado sobre os temas mais fortes Big Nelo seleccionou as músicas “Daniela, Amor da Minha Vida” — um tributo à sua filha — e “Tudo vai melhorar”. “Sou um vencedor. Gosto de transmitir uma atitude confiante, um sentimento positivo às pessoas. Como músico sinto essa responsabilidade”, diz. Umas das grandes surpresas do álbum é a estreia de Big Nelo no kuduro, com os Vaga Bandas. “Adoro o kuduro. Adaptei-me rapidamente a cantar e a dançar. É genuíno. Grupos como os Buraka Som Sistema estão a divulgá-lo em todo o mundo. Devemos ficar orgulhosos com isso. Muitos dizem que é uma música de ghetto. Também diziam o mesmo do rap quando nós começámos. O kuduro é nosso. Eu tenho um lado patriótico muito forte”, diz. Big Nelo fez questão, aliás, de gravar o videoclip no Rangel e adorou a experiência. “Fui muito bem recebido. Senti a minha popularidade. As pessoas são muito verdadeiras. Quando gostam de alguém, gostam a sério”. Apesar de se sentir bem nos bairros mais modestos de Luanda, Big Nelo nunca passou por dificuldades. Não significa, porém, que tenha tido uma infância fácil. O pai, originário do Cunene, faleceu quando tinha apenas 3 anos. Nessa altura já o jovem Emanuel tinha abandonado o Namibe, onde nasceu. Vivia só com a mãe em Luanda que trabalhava muito e, por isso decidiu, que Emanuel deveria ir viver com o avô — falecido há dois anos — no Lubango. “Guardo óptimas recordações desse período. Ainda tenho família no Lubango”, diz. Em 1985, quando tinha dez anos, surgiu a grande mudança da sua vida. O seu avô foi colocado como Embaixador de Angola, em Berlim, no lado da antiga RDA – República Democrática Alemã. “Via o muro todos os dias. Mas eu podia atravessá--lo. Lembro-me que os meus amigos alemães pediam- - me uma Coca-Cola de lata sempre que eu ia ao outro lado”, recorda. O jovem assistiu ao vivo ao momento histórico da queda do mundo de Berlim. “Foi mágico. Ainda tenho uma pedra do muro”. Uma das suas memórias mais positivas é o convívio com os que estavam na base americana da República Federal Alemã. “Foi lá que tomei contacto com o movimento rap e a música afro-americana — jazz, soul, funk e reggae — que me influenciou muito”. MC Hamer, Michel Jackson, Bobby Brown e Public Enemy eram algumas das referências. Do lado negativo recorda que “a questão racial ainda era muito forte”. Havia poucos estudantes angolanos na RDA. Predominavam os emigrantes nigerianos, ganenses e zairotas. Entre eles havia excelentes rappers e bailarinos. Foi com eles que Emanuel de Carvalho fundou os SSP (South Side Posse, literalmente “o bando do lado sul”), um grupo de música e de dança que fazia algumas actuações ao vivo. Em 1991 Emanuel regressa a Angola. Perdeu um ano de estudos na transição devido a um problema de equivalências. Ainda assim acabou o ensino médio. O pior veio a seguir. “Havia uma enorme pressão da família para que continuasse a estudar. A minha mãe era juíza e achava que a música não era uma profissão. O rap era considerado uma coisa de marginais e drogados”, recorda. “Uma crítica injusta”, acrescenta. “A nossa mensagem era de paz. Estávamos em 1992, na altura das primeiras eleições”. A sua persistência e determinação foi recompensada. Em 1996 a editora portuguesa Vidisco assina um contrato com os SSP, do qual nasce o primeiro álbum 99% de Amor. O rap de fusão, novo e original, conquistou o coração dos angolanos. O segundo álbum Odisseia surgiu em 1998. Foi o que mais vendeu. Nessa altura a banda já fazia digressões internacionais — África do Sul, Cabo Verde, Inglaterra, Portugal e Moçambique, país onde chegou a “disco de prata”. Dois anos depois nasceu mais um álbum Alfa que contou com a participação de vários artistas como TC, Boss AC, Gutto e African Voices. O novo trabalho foi apresentado no Pavilhão da Cidadela, em Março de 2000, que esgotou por completo. Desta vez, a digressão foi alargada ao Brasil e a Macau “um território que sempre exerceu um grande fascínio sobre mim”, confessa. O grupo estava em alta. Ganhou inúmeros prémios nacionais e internacionais. Era uma espécie de “porta- -estandarte” do país. Os SSP distinguiram- -se também pela sua acção social. Apoiaram os projectos de prevenção contra a sida da APV - Acção Pela Vida, do preservativo Legal e do CD Life, com o grupo O2. Participaram em campanhas de generosidade contra os “meninos de rua”. E tentaram, quer nas suas músicas, quer na sua conduta pessoal, passar mensagens de combate ao álcool, às drogas e à prostituição. Infelizmente, como tantas vezes acontece a quem sobe muito rápido, a banda acabou por ficar reduzida a dois elementos. “Tínhamos objectivos diferentes. Paul G e Kudy queriam ir para os Estados Unidos. Eu e o Jeff Brown — de quem sou amigo e padrinho de casamento — continuámos sozinhos. Continuar com apenas dois elementos foi um acto de coragem”, recorda. A dupla lança, em 2003, o álbum Amor e Ódio com a participação, entre outros, do famoso cantor brasileiro Djavan. A crítica considerou-o um dos melhores álbuns do grupo. Mas a separação da banda prejudicou as vendas. Em 2006 foi lançado o disco duplo Momentos da Trajectória, o lado preto de Big Nelo e o branco de Jeff Brown. Foi o prenúncio da separação definitiva. A partir daí Big Nelo começa a carreira a solo. Recorde-se que, em Maio de 2008, foi lançado em um best-off dos SSP. Depois do sucesso de Karga, impõe-se a pergunta: “ e agora?”. Big Nelo jura que não sabe a resposta. “Ignoro se este álbum será, ou não, o último”, diz. O artista parece demasiado ocupado a saborear o sucesso. A agenda de espectáculos está repleta até ao fim do ano. “Estou a deixar as coisas acontecer. Raramente faço planos a longo prazo. As únicas coisas de que tenho a certeza e que tenciono lançar um DVD até ao fim do ano é que vou criar a marca de roupa B26 até Outubro”, justifica. E depois? “Mesmo que não volte a cantar continuarei sempre ligado à música, como agente e produtor”. Estes são os planos de um artista com um “big” carácter e atitude. Convidado a escolher qual o seu melhor álbum de sempre, Big Nelo opta por 99% de Amor. “Foi o primeiro disco de rap angolano. Mudou a trajectória da música moderna”. É caso para dizer: não há amor como o primeiro. No que diz respeito a espectáculos Big Nelo não esquece o seu primeiro em Benguela; os de Moçambique e Cabo Verde e a primeira vez que actuou em Macau. “Fiz mais de mil espectáculos nos últimos 16 anos. Nas províncias de Angola só não estive em Malangue, Moxico e Lunda Norte”, afirma. Durante a “travessia do deserto” Big Nelo criou a produtora B26 “uma forma de ajudar quem está em inicio de carreira e de passar os ensinamentos que recebi”. Big é responsável pelo despertar de talentos como Cage 1 (que já conhecia como bailarino), Leo Keny, JD e Pereira. Ele não se limita a produzir álbuns. Faz o agenciamento e insere os jovens músicos num mercado altamente competitivo. “Mesmo que um dia deixe de cantar, continuarei sempre ligado à produção e agenciamento de artistas”, garante. Big Nelo fez já tem o seu novo álbum Karga nas ruas. Um álbum onde mostra o porquê de ser considerado uma lenda viva do HipHop. E para além de promover o novo álbum, já tem outros projectos para realizar “Estou a deixar as coisas acontecer. Não faço planos. As únicas coisas de que tenho a certeza é que tenciono lançar um DVD até ao fim do ano vou criar a marca de roupa B26 até Outubro”, sublinha. FAZ DOWNLOADUM BIG SUCESSO
KUDURISTA NELO
EU SOU BERLINENSE
A ASCENSÃO DOS SSP
GRUPO DE INTERVENÇÃO
O TRAUMA DA SEPARAÇÃO
ATÉ ONDE QUER IR
O ÁLBUM QUE MUDOU ANGOLA
Produtor de talentos
Karga em trânsito
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