Ex-bóia-fria vira delegado
e cria ONG
O advogado, sociólogo O advogado, sociólogo e delegado de polícia José Vicente, 43, que foi bóia- fria na região e nasceu no Morro do Querosene em Marília, comanda em um dos bairros mais pobres de São Paulo uma ONG para investir na integração social do negro e combater desigualdades sociais.
José Vicente nasceu em 11 de novembro de 1959. Nem chegou a conhecer o pai, que morreu quando ele tinha um ano de idade. Morou na cidade até 1980.
Dos seis aos 12 anos trabalhou como bóia-fria nas lavouras em cidades como Pompéia, Echaporã e Vera Cruz. "Aos seis anos já estava na labuta. Minha família ia para a roça e tinha que levar os irmãos."
A vida de José Vicente começou a mudar quando entrou em bandas marciais da cidade, dentre elas a da Associação de Ensino de Marília. Através da banda, conseguiu um emprego na área administrativa da Faculdade de Odontologia.
"Um dos estudantes falou para eu ir para São Paulo, que eu tinha jeito para a polícia. Daí eu fui", contou.
Diário - Como o senhor conseguiu fazer os estudos para se formar soldado, advogado e sociólogo?
José Vicente - O que me ajudou sempre foi a dedicação, pois é claro que minha família não teria renda para me pagar os estudos. As principais dificuldades foram as mesmas de qualquer família que atuava nesse mercado: pouco dinheiro, nenhum conforto. Fui soldado, advogado e, mais tarde, sociólogo. Hoje delegado de polícia, atuo no Capão Redondo, uma das regiões mais pobres da capital paulista e também sou presidente da ONG Afrobras.
Diário - Qual a relação atual do senhor com Marília?
José Vicente - Marília continua sendo minha cidade, pois tenho vários parentes morando aqui e sempre levo meus filhos para passar férias. Eu mesmo estou sempre na cidade.
Diário - O senhor preside esta ONG que busca dar mais espaço ao negro na sociedade. Quais as principais conquistas da organização e quais os projetos em andamento?
José Vicente - São muitas. Hoje temos 300 alunos bolsistas nas principais universidades privadas de São Paulo e temos escritórios no Rio de Janeiro, Salvador, Piracicaba e Barretos. Temos projetos como cursinhos pré- vestibulares, nossos bolsistas dão cursos de inglês a outros bolsistas e para a comunidade em geral.
Nosso projeto principal é a Universidade da Cidadania Zumbi dos Palmares, cuja primeira faculdade abrirá as portas em 2004 com o curso de Administração de Empresas. Esse curso foi escolhido por nós e aprovado pelo MEC, porque nosso objetivo é ensinar o negro a contar dinheiro, a ser empresário e, assim, melhorar a qualidade de vida e ir aumentando seu poder aquisitivo.
Diário - O senhor disse em entrevista à revista IstoÉ no mês passado que o racismo não tem solução. Diante disso, o que fazer para melhorar a inclusão social do negro no país?
José Vicente - Creio que a situação do negro vem mudando nos últimos dez anos, de maneira paulatina. Estão se criando alicerces que permitem a discussão mais ampliada do tema e a produção dessas primeiras medidas, que podem fazer a inclusão social do negro. Além disso, já há maior visibilidade do negro em alguns setores, o que serve de exemplo para nossos jovens, mostrando a eles que eles também podem chegar lá.
À sociedade civil cabe cobrar que os projetos e leis existentes sejam cumpridos e também cobrar das empresas que querem que compremos seus produtos: onde estão os negros nessas empresas? Qual o retorno que a comunidade negra terá consumindo estes produtos?
Diário: O senhor já foi vítima de racismo?
José Vicente - Já fui vítima de racismo sim, mas hoje não penso nisso, pois esse preconceito, com certeza, foi o que me deu forças para chegar onde estou e para lutar pelos meus ideais e pela comunidade.
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