Esse barulho refletiu em três indicações no Video Music Brasil (premiação anual da MTV), nas categorias Melhor Clipe de Rap, Aposta MTV e Clipe do Ano com Triunfo. O vídeo foi dirigido por Fred Ouro Preto, com excelente fotografia de Carina Zaratin.
Emicida conversou com o Terra e falou sobre a escolha por gravar e distribuir seu disco sozinho, o cenário do rap atual e a expectativa com o VMB: "O rap ganhar esses prêmios representa muita coisa. E nesse momento eu sou o rap, estou ali representando milhares de outras pessoas."
Seu disco, Pra Quem Já Mordeu um Cachorro por Comida, Até Que Eu Cheguei Longe está sendo considerado um dos melhores discos de rap do ano. Como ele foi feito?
As letras já estavam prontas, algumas há uns 7, 8 anos. Alguns instrumentais eu também já tinha. Queria fazer a mixtape para mostrar para as pessoas que a gente está trabalhando. No final de janeiro entrei no estúdio e achei que ia ser fácil, uma semana e estava tudo resolvido. Mas não foi bem assim o que era pra acabar no final de janeiro, só acabou na segunda quinzena de abril.
O disco tem 25 músicas, preenchendo quase todo o espaço que cabe em um CD. Por que tantas faixas logo no seu primeiro lançamento?
E ainda ficaram várias de fora! A gente queria chocar a parada também. E 25 faixas não é nenhum absurdo. É que lá fora é comum, mas aqui não existe a cultura da mixtape. Os Racionais nunca lançaram uma mixtape, e eles são o maior grupo de rap do Brasil.
E por que você decidiu gravar e distribuir o teu disco "na raça", vendendo de mão em mão em shows, sem colocar em lojas, nem contar com um sistema tradicional de distribuição?
O pessoal acha que eu fiz isso como protesto contra as gravadoras. Eu só gravei e distribuí tudo por minha conta porque era a única opção que eu tinha. Se alguém tivesse chegado com uma proposta da hora eu teria assinado. Lá onde eu moro o CD já custa R$ 2 faz tempo. E lá é pior, a discografia do Queen custa R$ 2, então eu não posso vender meu CD ali a R$ 10, e eu quero meu CD ali.
E como foi feito o clipe de Triunfo?
Quando eu vi os outros trabalhos do Fred, fiquei de boca aberta. O clipe foi feito em um esquema independente também. Foram três dias de gravações na Brasilândia e na academia do Garrido (academia de boxe que fica o Viaduto do Café, no bairro da Bela Vista, centro de São Paulo). O Fred é um monstro, entende muito. Deu trabalho mas ficou do jeito que a gente queria.
De onde veio o nome Emicida?
O nome surgiu em 2004, por causa das batalhas de freestyle. Os caras ficavam numas de "Você matou o cara", "Acabou com a vida dele na rima". Aí me chamavam de assassino, homicida, então resolvi fazer essa brincadeira com o nome.
E como foi saber que você estava indicado ao VMB?
A gente esqueceu. Achamos que ia estourar, mas que seria muito mais subterrâneo. A meta era fazer todo mundo falar do CD sem usar nenhum grande veículo. Acho que se a MTV não tivesse colocado a gente nessa parada ia perder um público grande, porque a gente traz muita gente de volta. Eu vejo várias pessoas desacreditadas com o prêmio, falando que é comprado. Eu não sei se é. Só sei que nós estamos lá, no mesmo patamar de gente com muito mais tempo de carreira, muito mais público. Eu prefiro não generalizar, falar que é panela.
E para você é importante ganhar o prêmio do VMB?
É importante. O rap ganhar esses prêmios representa muita coisa. E nesse momento eu sou o rap, estou ali representando milhares de outras pessoas. Dá uma visibilidade para um outro tipo de rap. Não que o conhecido seja ruim, mas as pessoas não podem ter uma opção só.
O que você achou da decisão da banda Natiruts, que pediu para ser excluída das indicações, por afirmar que a MTV só dá espaço ao reggae uma vez por ano, na hora da premiação?
Achei louvável. Já respeitava, gosto da banda e passei a respeitar mais ainda. Mas não vou agir igual. Para muitos caras é comum estar no VMB. Para mim é a primeira vez. É claro que a MTV deve para o rap, não tem mais um programa do gênero, como já teve. Mas eu não vou ficar falando que é isso ou aquilo, prefiro chegar lá e trocar uma ideia para saber por que não passa rap na MTV.
Confira a continuação da entrevista com o rapper Emicida e assista ao videoclipe Triunfo, que concorre em três categorias no VMB 2009.
Você lançou um disco e conseguiu vender bem no boca a boca em uma época em que a indústria fonográfica afunda. Você acha que o formato do CD morreu?
Como a gente quer popularizar nosso som, acho que vender barato é uma saída. O CD não morre tão cedo, apesar de ter um preço inviável. O iPod vai morrer antes, os celulares já vem com as funções dele, mas as pessoas ainda precisam de um formato físico. Quantos porcento do Brasil têm acesso à internet? 20%? 30%? Então tem muito mais gente para alcançar ainda.
No teu disco uma coisa que se destaca são as referências diversas. Nas suas letras você usa frases de outros artistas, fala de cinema, literatura, televisão, videogames. Onde você busca esses elementos?
Antes eu não escrevia rap assim. Mas eu via caras como o Marechal, SP Funk, Black Alien, e eles tinham outras metáforas, então fui buscar outras coisas. E agente está em São Paulo, então mesmo que não queira é bombardeado por informação de todos os lados. E eu sempre gostei de ler e isso vai parar nas minhas rimas. Não entendo profundamente de nada do que eu falo, a não ser de história em quadrinhos. Se você quiser discutir sobre o Batman a gente fica 3 horas aqui, edição por edição (risos).
E o que você acha de atingir um público que não é exatamente o público que ouvia rap?
É isso que tem que acontecer. A gente faz música. Eu acredito no que eu falo, então quero falar pra todo mundo, não só pra um grupo. Eu não tenho essa parada de playboy, favela. Minha mãe trabalhava de empregada no bairro onde eu moro. Desde pequeno eu convivo com essas duas realidades e comecei a ver que são pessoas. Quem nasceu aqui não pode condenar quem nasceu na favela e vice-versa. É melhor que eles se entendam, porque se fica um com medo do outro... Falta comunicação para ver que elas são muito parecidas.
E esta divulgação da MTV aumentou o assédio de fãs? Como você lida com isso?
Na real já tinha isso. Já vinha gente tirar foto. Eu vivo em um estágio bem louco, porque não sou famoso mas também não sou desconhecido. Por exemplo, eu estou no metrô lotado e tem um cara que me reconhece, mas não acredita que eu ando de metrô, ou de ônibus. Mas a TV tem esse poder mesmo, e todo mundo acha que eu estou milionário. É bom porque agora os caras não tem mais coragem de pedir show de graça. Afinal, estou na TV! (risos).
Você já ouviu que está "se vendendo" depois que apareceu na MTV e em outros veículos?
Quando eu comecei a ouvir isso não tinha nem essa parada de televisão. Ouço que sou vendido há uns dois anos. A Nike coloca 'A Rua é Noiz' no tênis, aí fazem fórum na internet A Nike fez uma edição especial de um tênis com uma das frases de Emicida, "A Rua É Noiz" estampada na lateral do calçado). E o pior é que esses caras só falam. Se eles fossem contra o capitalismo mesmo, não estavam na frente do computador, iam para o mato.
Quando você viu que conseguiria viver só de música?
Já fui pedreiro, pintor, já vendi hot-dog, já fui assistente de estúdio, já fui artesão, trabalhei um tempo com ilustração de livros infantis, hoje eu me dou ao luxo de fazer só a minha música. Chega um momento em que a vida te pergunta qual escolha você quer fazer. Eu tinha me acostumado a fazer música por hobby, porque todo mundo fala que está ruim, que está em crise. Eu pensava "Eu não vou ser o cara sortudo que vai conseguir viver de música". Eu estava estudando design e escrevia minhas rimas. Aí as datas começaram a bater, tinha show quinta, sexta, sábado domingo, aí tive que largar as outras coisas.
Você percebe que a MTV está apostando em você, afinal um artista totalmente independente com três indicações no VMB não é tão comum...
Todo mundo quer colocar a gente nas paradas agora para falar depois que deu uma força quando eu não era nada. Só que eu já não sou nada faz tempo. Mas só agora estamos aparecendo para esses caras. Ia ser complicado a Music Television não saber que o Emicida existe. Nós temos um milhão de visualizações no Youtube. No MySpace a gente perde somente para os gringos. Fazemos show toda semana. Quem movimenta a cena é a gente, o Kamau... Então não sei se é bem uma aposta. É claro que eu gosto, agradeço os caras por este espaço, se rolarem outras coisas vamos fazer, mas eu sei que meu trabalho chegou onde já chegou não foi por causa disso.
E como estão os planos para um novo disco? Ele vai ser distribuído da mesma forma?
A gente deve entrar em estúdio no final do ano. Com tudo inédito, não tem nada que já saiu. Eu fico puto quando pego um disco e tem algo que eu já ouvi. Mesmo se vazou na internet, tira essa e coloca outra. As gravadoras estão ligando, vamos ver o que vai dar para fazer. Minha maior deficiência é na distribuição, e isso para mim é interessante. Eu quero conseguir um esquema de distribuição, mas com um preço justo, de R$ 10, que não é o ideal, mas o máximo.
Você vai ser pai pela primeira vez a primeira filha do rapper nasce em fevereiro. O que isso muda na tua vida e na tua carreira?
Muda tudo. Eu estou achando bem tranquilo, se fosse em outra fase da minha vida eu ia estar bem desesperado. Mas estou em paz, estou conseguindo administrar. Queria poder curtir mais a gravidez, mas por contas das viagens não consigo estar perto dela o tempo todo.
Mas vou manter o ritmo. Trabalho com algo que eu gosto, então não vai ser algo difícil. Acho que na só acrescenta, é uma das melhores coisas que aconteceu na minha vida e vai mudar como eu vou ver as coisas. Então devem sair uns raps sobre trocar fralda (risos).
Video Triunfo